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A Intrínseca Aleatoriedade do Universo

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A Intrínseca Aleatoriedade do Universo

Considere um ser onisciente que conhece o estado de todas as partículas do universo. Para tal criatura, existiria algum processo que não poderia ser determinado, ou seja, que seria puramente aleatório?

Por André Igor Nóbrega da Silva


Em 1814, o famoso matemático francês Pierre-Simon Laplace publicou um livro chamado “Essai philosophique sur les probabilités”. Tal trabalho discutia um pouco acerca da corrente determinística da ciência e, na introdução, Laplace propôs o que ficou conhecido como “Laplace’s Demon”: “ An intellect which at a certain moment would know all forces that set nature in motion, and all positions of all items of which nature is composed. For such an intellect nothing would be uncertain and the future just like the past would be present before its eyes”.

O cientista basicamente estabeleceu uma super inteligência que possui informações de todas as partículas do universo. Para tal ser, nada seria imprevisível e o conceito de fenômeno aleatório se desmancharia. De um ponto de vista físico, tal criatura é claramente impraticável, mas a proposta é interessante pois levanta questões sobre o que, de fato, é aleatório ou o que simplesmente não conseguimos determinar devido à complexidade de certo processo.

Para ilustrar esse pensamento, podemos considerar fenômenos clássicos usados para explicar processos aleatórios, como o lançamento de uma moeda. É inegável que esse evento é extremamente sensível às condições iniciais e que seus resultados são consideravelmente difíceis de se determinar. Contudo, se soubéssemos exatamente todos os aspectos mecânicos envolvidos em cada lançamento, poderíamos afirmar, com certeza, a face da moeda que cairia voltada para cima. Para comprovar isso, já foram feitos experimentos com máquinas que garantem um determinado resultado para o lançamento de uma moeda não viciada.

Figura 1. Máquina que determina o lançamento de uma moeda. [Fonte: goo.gl/EPqW45content_copy]

Dentro desse contexto, podemos considerar, ainda, os processos de geração de “números aleatórios” em computadores. Tais números são úteis para uma grande variedade de propósitos, como serviços de criptografia e jogos de apostas. Por mais aleatórios que esses números gerados possam parecer, é difícil fazer com que um computador faça algo de maneira não determinística. Os programas são construídos para seguirem instruções claras e passos pré-determinados. Como então gerar algo somente pelo acaso? Os chamados “True numbers generators (TRNGs)” utilizam estados atmosféricos - temperatura e os ruídos - como variáveis iniciais para a geração de um número aleatório. Entretanto, por mais complexo que esses fatores sejam, ainda é possível que suas origens sejam determinadas e - com uma grande capacidade de processamento - que os resultados desse evento sejam previstos.

Isso nos leva a questionar se existem, de fato, processos aleatórios. Mesmo que fisicamente inconsistente, seria possível que a inteligência proposta por Laplace existisse de um modo filosófico? Há duas grandes linhas de pensamento que respondem tal questionamento de maneira satisfatória. A primeira delas analisa o que é a informação, juntamente com as leis da termodinâmica e a segunda diz respeito à mecânica quântica.

É importante entender o quanto de informação um determinado sistema pode oferecer para um observador. Para isso, consideremos três mensagens escritas em binário: 000000, 010101 e 011010. A primeira delas apresenta uma ordem muito bem definida. Trata-se, apenas, de um conjunto de zeros e, portanto, apresenta muito pouca informação. A segunda é mais aleatória, de modo que é necessário um cuidado maior para determinar se há um padrão. A terceira, por sua vez, não possui um padrão claro e, assim, é a que passa mais informação para um observador. O responsável por introduzir esse pensamento na comunidade acadêmica foi o cientista americano Claude Elwood Shannon. Para ele, quanto maior o grau de desordem (entropia) de um sistema, mais informação ele contém, pois torna-se impossível de se determinar padrões que são seguidos. Quanto mais ordenado é um sistema, mais ele pode ser comprimido. A primeira mensagem, por exemplo, poderia ser comprimida para apenas a repetição de zeros, sem perda de generalidade. Na última, no entanto, cada dígito é essencial para a formação da palavra, já que nenhum deles pode ser previsto - a informação pura seria a aleatoriedade completa.

Supondo a existência da criatura proposta por Laplace que, ao conhecer perfeitamente o estado de todas as partículas do universo em um presente momento, conheceria também esse estado em qualquer instante de tempo. Isso levaria à conclusão de que a quantidade de informação contida no universo é constante, ou seja, o grau de desordem se mantém o mesmo. Tal proposição é falsa pois viola a segunda lei da termodinâmica: A quantidade de entropia de qualquer sistema isolado termodinamicamente tende a incrementar-se com o tempo, até alcançar um valor máximo. Mesmo que fosse possível adquirir toda a informação contida no universo, isso não seria o bastante para conhecer tudo o que aconteceria dali para frente. É necessário que existam processos intrinsecamente aleatórios para que se preserve a segunda lei da termodinâmica.

Figura 2. Quantidade de informação no universo versus tempo. [Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=sMb00lz-IfE]

Além disso, na época em que Laplace lançou seu livro, as teorias relacionadas à mecânica quântica ainda não haviam sido desenvolvidas. O princípio da incerteza, postulado em 1927 pelo físico Werner Heisenberg estabelece que é impossível saber a velocidade e a posição de uma partícula ao mesmo tempo. Para medir a posição de uma partícula, é necessário usar formas de onda que afetam a velocidade da mesma. No mundo quântico, os processos não são determinados, eles possuem apenas uma probabilidade de acontecer, ou seja, são aleatórios.

As ideias apresentadas pela mecânica quântica são tão contra-intuitivas que o físico Albert Einstein se opôs a acreditar que existiam eventos puramente aleatórios. Em uma de suas famosas frases, Einstein afirmou: “God does not play dice with the universe”. Para ele, o princípio da incerteza parecia ser apenas provisório e que em algum ponto a humanidade seria capaz de contorná-lo. O desenvolvimento científico nos dias atuais aponta, contudo, para o contrário. A mecânica quântica continua a revelar fenômenos dos mais aleatórios e estranhos possíveis, afastando a teoria proposta por Laplace da verdade.




Referências: 

HAWKING, Stephen. Does God Play Dice? Disponível em: http://www.hawking.org.uk/does-god-play-dice.html. Acesso em: 29 outubro 2017.

HAAHR, Mads. Introduction to Randomness and Random Numbers. Vsauce. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9rIy0xY99a0. Acesso em: 29 outubro 2017.

What is Random? Disponível em https://www.britannica.com/technology/Turing-test. Acesso em 28 de outubro de 2017.

What is not Random? Veritasium. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sMb00lz-IfE. Acesso em: 29 outubro 2017.











          






            


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