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Vencidos pelas Máquinas

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Vencidos pelas Máquinas

Pela primeira vez na história as inteligências artificiais começaram a desafiar e ganhar de humanos em atividades que até então possuíamos total superioridade e controle.


Por José Iuri Barbosa de Brito


A história da evolução e a origem da raça humana sempre foi permeada por nossa incrível capacidade cognitiva de resolver problemas, de nos adaptar às condições do meio e utilizar o conhecimento a nosso favor. Entretanto os acontecimentos recentes mostram que, em diversas atividades em que somos muito bons e versáteis, fomos superados por algo que nós mesmo criamos, a Inteligência Artificial(IA) Em meio às várias discussões acerca da segurança da utilização de IAs, diversos fatos demonstram que as máquinas já conseguiram se sobressair em atividades que antes eram o orgulho da inteligência humana.

Apesar da realidade mostrar que as IAs estão ainda muito distantes de alcançar a capacidade das mentes humanas, ao longo dos anos, diversas companhias colocaram a prova suas pesquisas e resultados contra seres humanos e assim testaram a habilidade da “criatura superar o criador”. No entanto, grande parte desses testes contra humanos na verdade são apenas formas das empresas divulgarem seus algoritmos de aprendizado de máquina e resultados em diversos campos de estudo. No entanto as diversas partidas “máquina versus homem” têm atraído a atenção de toda a comunidade científica e reacendeu o debate sobre a segurança das IAs.

O primeiro e mais famoso caso de embate entre as mentes digitais e as mentes humanas ocorreu em uma partida de xadrez. A empresa IBM, que havia perdido grande espaço no mercado de computadores pessoais, buscava firmar sua posição no ramo dos supercomputadores. Para isso construiu o computador enxadrista Deep Blue, primeiro computador na história a ganhar do campeão mundial de xadrez, sob condições normais de tempo, em um jogo e uma partida melhor de seis. O projeto havia começado com o nome de Deep Thought na Carnegie Mellon University, porém mais tarde seus criadores (Feng-hsiung Hsu, Thomas Anantharaman e Murray Campbell) e diversos Grão-Mestres de xadrez passaram a integrar o corpo de pesquisadores da IBM, que posteriormente mudou o nome do projeto.

O sistema do Deep Blue derivava basicamente da “força bruta” computacional. Ele utilizava o processamento paralelo de 30 nós, cada um com um microprocessador P2SC de 120 Mhz melhorado com 480 chips VLSI (Very Large Scale Integration) especiais para o jogo de xadrez. O programa de jogo foi escrito na linguagem C e funcionava no Sistema Operacional AIX, da própria IBM. O computador tinha a capacidade de calcular até 200 milhões de movimentos por segundo. Entretanto apesar de todo o seu poder, o Deep Blue é considerado hoje o 249º computador mais rápido do mundo.

Figura 1. Imagem do computador enxadrista Deep Blue, o primeiro a ganhar de um campeão mundial de xadrez. [Fonte​: IBM.]

O melhor enxadrista na época era o russo Garry Kasparov, que ganhou dezesseis vezes seguidas o mundial de xadrez, de 1985 a 2000, e até hoje é considerado o maior de todos os tempos. Assim, para promover o computador da IBM, ocorreu uma partida de exibição na Filadélfia nos Estados Unidos em 1996, na qual a máquina foi derrotada por um placar de 4x2. Apesar da derrota do Deep Blue, o evento mostrou que era possível inteligências artificiais derrotarem o campeão de xadrez em uma partida normal. Após a partida Kasparov chegou a afirmar que “seria o último campeão de xadrez a ganhar das máquinas”.

Confiante no seu potencial, o russo marcou um novo embate para o ano seguinte, dando à equipe de pesquisas da IBM mais tempo para aperfeiçoar o computador. Dessa vez em Nava York (Nova Iorque) o Deep Blue ganhou de Kasparov pelo placar de 3.5 a 2.5 (a vitória vale um ponto e o empate meio ponto), dessa forma a máquina da IBM se tornou a primeira a ganhar de um campeão mundial de xadrez em condições regulares de tempo.

Na comunidade enxadrista ocorre ainda hoje muito debate acerca da segunda partida. Kasparov acusou a IBM de ter interferido durante um jogo fazendo o computador mover uma peça de forma estranha e de maneira criativa, algo que ele afirmou não ser possível para a máquina. A jogada de número 44 do Deep Blue foi considerada pelos grão-mestres na época como contra intuitiva, já que não havia nem propósito ofensivo ou defensivo, corroborando a hipótese de Kasparov. Os programadores da máquina também não souberam a razão do lance da IA e a consideraram um erro. Como a IBM não forneceu os detalhes nem os arquivos de registro e também recusou um terceiro jogo, nunca houve a verdadeira versão dos fatos.

Figura 2. Kasparov (ao fundo) de brancas contra o computador Deep Blue de pretas. [Fonte: IBM.]

É importante ressaltar que o Deep Blue não possuía um software específico para o jogo de xadrez. Diferente de demais softwares, como o Fritz, que possui algoritmos para encontrar a melhor jogada, o computador da IBM deveria aprender a jogar de acordo com as experiências e o aprendizado de jogos anteriores. Atualmente os maiores jogadores de xadrez treinam contra o computador diariamente para melhorar suas habilidades e aperfeiçoar suas técnicas.

Em busca de novos horizontes, a empresa Google, por meio do seu programa de pesquisas em inteligência artificial, o DeepMind, criou o AlphaGo, um computador capaz de jogar o jogo tradicional chinês Go, considerado mais difícil e complexo que o xadrez. Acredita-se que nenhuma partida de Go foi repetida, já que a quantidade total estimada de combinações diferentes de partidas é cerca de 9,3 x 10567. Para fins de comparação, os físicos estimam que há 1090 prótons no universo visível.

O Go é jogado em um tabuleiro com 19 por 19 linhas, no qual as casas são as interseções entre as linhas. As regras são simples: dois jogadores se enfrentam, uma peça é colocada por vez alternando os lados e o objetivo é obter o maior território possível. Se uma peça, é cercada por peças adversárias ela é capturada e retirada do campo. Apesar de muito popular na Ásia, o jogo passou a se popularizar nos últimos anos também no ocidente, principalmente devido aos intensos fluxos migratórios de populações asiáticas.

Ocorreram dois jogos importantes para o AlphaGo. No ano passado, o computador da Google enfrentou o sul-coreano Lee Sedol, que pratica o jogo desde os 12 anos e foi campeão mundial por 18 vezes, em uma partida de 5 jogos. O resultado foi de 4 a 1 para o AlphaGo, o que surpreendeu a todos, já que o próprio Sedol afirmou que acreditava que ganharia por 5 a 0 devido à necessidade de criatividade e personalidade exigida pelo jogo. As jogadas realizadas pelo computador, além de serem bastante efetivas, surpreenderam a todos pelo nível de criatividade e até mesmo de beleza. A jogada de número 37 foi considerada “sem precedentes” na história do Go e segundo dados da Google ela tinha a probabilidade de 1 em 10 mil de ser feita por um humano. Além da surpresa do desempenho da máquina, o próprio Sedol apresentou excelente exibição, muito acima das partidas já jogadas por ele, principalmente a jogada número 78 no jogo 4 que garantiu sua única vitória no confronto.

Figura 3. Primeira partida de Go realizada entre o sul coreano Lee Sedol e a máquina AlphaGo. [Fonte: Google]

Ainda nesse ano, entre os dias 23 e 27 de maio, ocorreu a segunda grande exibição contra o atual campeão mundial, o chinês Ke Jie, em uma partida de três jogos. Além desse jogo, ocorreram partidas amistosas em que o AlphaGo formou time com um humano para jogar contra outra dupla de um humano e a IA, e de uma equipe de humanos contra o computador da Google.

O resultado do embate contra o chinês campeão mundial foi o esperado, um placar de 3 a 0 para o AlphaGo. Entretanto com placares extremamente próximos. O resultado não foi satisfatório para o computador, já que ele foi projetado para ganhar com facilidade de qualquer humano, principalmente após os jogos contra Lee Sedol. Jie iniciou os jogos utilizando jogadas que são a marca registrada da IA da Google mostrando grande estudo realizado pelo desafiante humano. Ele afirmou após os jogos que ficou “profundamente impressionado” e afirmou que os movimentos realizados pelo computador jamais aconteceriam em uma partida de humano contra humano. A partida mais interessante ocorreu entre as duplas, já que ambas contavam com o auxílio da IA. Várias jogadas intigantes foram observadas e a cooperação entre os companheiros de time foi testada até o extremo com movimentos inventivos e muitas vezes com objetivos pouco claros. A leitura do jogo se tornou a chave para vencer o confronto e entender melhor como o AlphaGo pensa e planeja suas jogadas.

Após os casos de sucesso no xadrez e no Go, o próximo passo para o desenvolvimento de técnicas de aprendizagem de máquina e inteligência se tornou o jogo de póquer. O projeto inovador conhecido como DeepStack é o primeiro a experimentar novas abordagens com o objetivo de derrotar os humanos no formato Texas Hold’em. Diferente dos jogos de tabuleiro, o famoso jogo de cartas é caracterizado como jogo de informação imperfeita, o que, em teoria dos jogos, quer dizer que a partir de uma jogada não é possível prever ou acertar totalmente os objetivos, o ganho e a recompensa da ação tomada, isso torna bem mais difícil para uma IA jogar contra humanos. Os pesquisadores afirmam que, a partir de técnicas de jogos com informação perfeita e dados de informações imperfeitas, é possível induzir uma “intuição” para o sistema.

Apesar do projeto ainda estar nas fases iniciais, ele já contém alguns resultados significativos. O DeepStack já derrotou 33 profissionais selecionados pela Federação Internacional de Póquer em um conjunto total de 44.852 jogos com uma taxa de lucro de 486 mbb/G (1 mbb/G é um milésimo do big blind por jogo, ou seja, a cada jogo o jogador lucra 1 milésimo da maior aposta obrigatória). Essa taxa de lucro é considerada dez vezes maior do que a quantidade considerada rentável para o formado Hold’em.

Figura 4. Partida online entre o DeepStack e o profissional Taylor von Kriegenbergh . [Fonte: DeepStack]

Ainda na vanguarda dos jogos com informações incompletas, o famoso empresário Elon Musk e sua startup OpenIA conseguiram vencer o melhor jogador do mundo em uma partida 1 contra 1 do jogo online DOTA 2 da Valve Corporation, (sem vírgula) durante o The International, um dos maiores eventos de eSports do mundo. A partida de cinco jogos acabou prematuramente, após as duas primeiras vitórias da máquina o jogador Danylo “Dendi” Ishutin recusou continuar a partida, dando a vitória a IA. Diversos outros jogos contra outros profissionais dos esportes eletrônicos foram feitos e o resultado foi uma taxa de vitória de 100% para o sistema de Elon Musk.

Os responsáveis na OpenIA afirmaram que seu sistema utiliza partidas aceleradas para ensinar a inteligência artificial e melhorar suas técnicas de modo que o sistema joga contra si mesmo ou contra outros jogadores humanos. Os criadores da IA ainda afirmam que não utilizaram nenhuma estratégia pré-definida ou técnicas de ensino com base na imitação de jogos já acontecidos. A capacidade de jogo da OpenIA é baseada apenas em suas experiências e sua capacidade de aprendizado.

A equipe de desenvolvimento da IA afirma que o objetivo agora é jogar no formato padrão do eSport, 5 jogadores contra 5 jogadores, onde o grande desafio é o computador coordenar cinco personagens diferentes e fazer eles trabalharem juntos para alcançar a vitória. Além disso a empresa também pretende fazer testes com equipes misturadas entre humanos e máquinas, testando assim a capacidade de cooperação da inteligência artificial.

Figura 4. Partida de DOTA 2 entre a OpenIA e Dendi, vencida pelo computador. [Fonte: DeepStack]

Esses diversos acontecimentos mostraram a capacidade e os diversos avanços no campo de estudo das IAs e no aprendizado de máquina. Apesar de nessas tarefas as máquinas superarem muito os humanos, os próprios técnicos responsáveis pelo AlphaGo reafirmaram que ainda está muito distante das IAs possuírem a versatilidade de tarefas da mente humana e a sua capacidade de aprender e solucionar problemas tão distintos entre si. Mas ao mesmo tempo reafirmam o debate sobre a segurança da utilização desses computadores que produzem resultados tão surpreendentes. Uma única coisa é certa, muitas das atividades que realizamos podem ser substituídas por computadores, até mesmo as atividades consideradas “criativas”.




Referências: 

Revelado: Foi erro no computador Deep Blue da IBM que o fez vencer Kasparov em 1997. O Globo. Disponível em https://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/revelado-foi-erro-no-computador-deep-blue-da-ibm-que-fez-vencer-kasparov-em-1997-14349363. Acesso 22 de Setembro de 2017.

What we learned in Seoul with AlphaGo. Google. Disponível em https://blog.google/topics/machine-learning/what-we-learned-in-seoul-with-alphago/. Acesso 22 de Setembro de 2017.

AlphaGo at The Future of Go Summit, 23-27 May 2017. Google. Disponível em https://deepmind.com/research/alphago/alphago-china/. Acesso 22 de Setembro de 2017.

Elon Musk AI startup beats world’s top DOTA 2 players in challenge. Radage, Ludu. Disponível em http://www.bgr.in/news/elon-musk-ai-startup-beats-worlds-top-dota-2-players-in-challenge/. Acesso 22 de Stembro de 2017.










          









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