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O ponto de Cartesius

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O ponto de Cartesius

Entenda melhor a dúvida de René Descartes na obra o Discurso sobre o Método e como esse método influenciou a Geometria analítica.


Por Ellen Ribeiro Lucena


O século XVI é famoso por muitos acontecimentos importantes para a humanidade. Na Itália, as obras de Leonardo da Vinci e Michelangelo marcam o auge do Renascimento que, ainda no mesmo século, tinha fim. No Brasil, D. João III institui as quatorze capitanias hereditárias e estabelece em Portugal a inquisição, depois de terem sido publicadas as 95 teses de Martinho Lutero, na Alemanha, que deram início à Reforma Protestante. Na França, nasce René Descartes em 1596, em Haye, antiga província de Touraine, hoje chamada Descartes, em homenagem ao filósofo que deu início ao pensamento moderno.

Descartes iniciou os estudos aos 10 anos, no colégio jesuíta Royal Henry-Le-Grand, onde permaneceu até ingressar na Universidade de Poitiers, na qual se graduou em Direito em 1616. Ele não chegou a exercer o Direito para a decepção de seu pai, Joachim Descartes, juiz e advogado que chamava o filho de “pequeno filósofo” e esperava que ele seguisse carreira defendendo as normas jurídicas da França. René, também muito conhecido por seu nome em latim “Renato Cartesius”, serviu ao exército do príncipe Maurício de Nassau, na Holanda em 1618 e viajou para a Dinamarca, Polônia e Alemanha, retornando para a França em 1622.


Figura 1. René Descartes. Pintura de Frans Hals (entre 1649-1700) Fonte: [http://www.infoescola.com/filosofos/rene-descartes/]

Mesmo com uma educação sólida e tendo conhecido outros filósofos e matemáticos da época, Descartes se percebeu incapaz de deduzir os fatos nos quais fundamentava suas crenças. Eles eram baseados em percepções sensoriais e os sentidos nem sempre garantem a verdade. É fácil perceber isso em uma situação hipotética: alguém com muita fome vê um bolo de chocolate que parece delicioso, parte uma fatia e, na primeira garfada, percebe que, apesar de parecer exatamente com um bolo de chocolate, ele tem gosto de feijão. Os sentidos nos enganam o tempo inteiro e, por isso, Descartes resolveu duvidar de todas as coisas na tentativa de encontrar, gradativamente, resultados coerentes nos quais pudesse confiar.

Em uma de suas obras mais famosas, Meditações sobre a Filosofia Primeira, ele tenta esclarecer como os sentidos podem ser falhos supondo que todas as coisas que percebemos poderiam ser impostas a nós por um gênio igualmente ardiloso, maligno e poderoso, que controla tudo e nos engana o tempo inteiro, fazendo-nos acreditar em coisas inexistentes e escondendo outras que existem. Pela limitação de nossos sentidos nós não poderíamos perceber que isso nos acontece. No entanto, ele diz que mesmo se esse gênio fizesse tudo isso e ele estivesse realmente enganado sobre toda a realidade, restaria uma verdade: se ele está sendo enganado e é capaz de duvidar, então ele existe. Caso contrário, quem o gênio estaria enganando e quem seria o autor das dúvidas?

Sendo assim, ele estabeleceu uma verdade primeira “penso, logo existo”. A partir dela, outras verdades poderiam ser encontradas, bastaria apenas que elas não pudessem ser postas em dúvida. Para isso, ele desenvolveu um método para encontrar e testar conclusões, apresentado em outra obra: O discurso sobre o Método. No livro, ele instituiu quatro princípios para resolver problemas:

“ [...] O primeiro consistia em nunca aceitar como verdadeira nenhuma coisa que eu não conhecesse evidentemente como tal; isto é, em evitar, com todo o cuidado, a precipitação e a prevenção, só incluindo nos meus juízos o que não se apresentasse de modo tão claro e distinto a meu espírito, que eu não tivesse ocasião alguma para dele duvidar. O segundo, em dividir cada uma das dificuldades que devesse examinar em tantas partes quanto possível e necessário para resolvê-las. O terceiro, em conduzir por ordem meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais fáceis de conhecer, para subir, aos poucos, gradativamente, ao conhecimento dos mais compostos, e supondo também, naturalmente, uma ordem de precedência de uns em relação aos outros. E o quarto, em fazer, para cada caso, enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de não ter omitido nada. [...]” (DESCARTES, 2002, p. 31-2).

Nessas quatro regras, Descartes foi influenciado pelo método de análise e síntese dos gregos antigos. A análise consiste em considerar o resultado do problema, dividi-lo em etapas mais simples de resolução até chegar a uma afirmação que se conhece como verdadeira. A síntese inicia-se com a última etapa da análise, a partir da veracidade de uma etapa simples, caso o resultado seja verdadeiro, será possível resgatá-lo pelo caminho inverso ao da análise.

Para ilustrar o método de Descartes, Duelci Aparecido de Freitas Vaz, autor do artigo “O método cartesiano aplicado à Geometria ”, demonstra que é possível usá-lo para provar que dois ângulos opostos pelo vértice, como os da Figura 2, são iguais.


Figura 2. Os ângulos A e C são opostos pelo vértice, também como os ângulos D e B. Fonte: [http://escolakids.uol.com.br/angulos-opostos-pelo-vertice.htm]

Inicia-se a etapa da análise tomando o resultado A = C e utiliza-se o axioma que diz que se um mesmo valor for adicionado aos dois membros de uma igualdade, ela permanece verdadeira, de modo que, A + D = C + D. Pode-se perceber, pela Figura 2, que cada lado da igualdade corresponde à soma de dois ângulos retos (2R), assim, A + D = 2R e C + D = 2R, esse é um resultado cuja veracidade já é conhecida, finaliza-se a etapa de análise. A partir do último par de igualdades inicia-se a síntese, aplicando o axioma de que se duas coisas são iguais a uma mesma, são iguais entre si, tem-se que A + D = C + D e, pelo axioma que diz que se um mesmo valor for subtraído dos dois membros de uma igualdade, ela permanece válida, conclui-se que A = C.

Ao final da obra em que apresentou o método, René anexou diferentes aplicações do que havia proposto. Foram três anexos: A Dióptrica (sobre ótica), Os Meteoros (sobre meteorologia) e A Geométrica (sobre geometria). Este último, em especial, foi de grande importância para a matemática. Descartes o dividiu em três partes. Na primeira, ele apresenta como localizar um ponto atribuindo a ele coordenadas e demonstra como operações aritméticas podem se relacionar com operações geométricas, para ilustrar ele realizou as de multiplicação, divisão e raiz quadrada, utilizando, para isso, apenas retas e segmentos circulares. Na segunda, ele trata da natureza das curvas e cria uma classificação para elas. Na terceira, ele analisa as raízes de equações polinomiais, utilizando círculos e parábolas para construir problemas de terceiro e quarto grau.

A Geometria, de René Descartes, é hoje considerada a obra que deu origem à Geometria Analítica. Certamente que a geometria cartesiana não tinha muito em comum com a Geometria Analítica que conhecemos, não havia, por exemplo, a noção de vetores, havia apenas pontos, retas e curvas. Mesmo assim, Descartes estabeleceu as bases para o relacionamento entre geometria e álgebra que, posteriormente, foi instituído como uma nova área da matemática.




Referências: 

René Descartes. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Ren%C3%A9_Descartes. Acesso em 27 de 06 de 2017.

O MÉTODO CARTESIANO APLICADO À GEOMETRIA. Duelci Aparecido de Freitas Vaz. Estudos, setembro de 2011.

Descartes e a Matemática. Disponível em http://webpages.fc.ul.pt/~ommartins/seminario/descartes/matematica.htm. Acesso em 27 de 06 de 2017.












          









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