Viajando na Velocidade da Luz – Parte II
Constantemente, a engenharia transforma ficção científica em realidade. Grandes inventos mudam o curso da História. Conheça a saga da criação do telefone e os inventores por traz desse feito.
Por Camila Machado de Araújo
Uma pessoa que goste de ciência e conheça um pouco sobre Física Moderna sabe que não é possível um corpo com massa viajar na velocidade da luz. Um fato provado pela Teoria da Relatividade de Einstein. Mas, pensando fora da caixa, por que não viajar sem massa? Seres humanos são muito mais do que apenas matéria, a consciência ainda é um mistério para a ciência em muitos aspectos. Não é possível enviar um corpo, mas é possível enviar pensamentos na forma de ondas eletromagnéticas.
A saga da ciência que permitiu esse feito teve início no século XVIII, com os avanços do Eletromagnetismo. Samuel Morse deu o primeiro grande passo em direção às tecnologias da comunicação quando inventou o telégrafo, por volta de 1840. (Essa história já foi contada em “Viajando na Velocidade da Luz – Parte I” (http://jornalpet.ee.ufcg.edu.br/materias/ed85art2). Esse aparelho tornou possível codificar mensagens escritas na forma de ondas eletromagnéticas e inspirou muitos pesquisadores no século XIX; que outros sinais poderiam ser enviados por cabos telegráficos?
O francês Charles Boseul foi o primeiro a idealizar a transmissão do som. Ele mandou uma carta ao jornal francês “L’Illustration” em 1854, dizendo: “Tenho me perguntado... se a fala não poderia ser transmitida por meio de eletricidade, a coisa é praticável da forma: - Suponha que um homem fale próximo a um disco móvel, suficientemente flexível para não perder nenhuma das vibrações da voz, você pode ter à distância outro disco que irá executar simultaneamente as mesmas vibrações. É verdade que, enquanto um disco vibra por meio da voz, o outro vibra por meio da eletricidade; mas tem sido demonstrado que isso não altera os sons. Além disso, é evidente que os sons serão reproduzidos no mesmo tom. O estado atual da ciência acústica não nos permite declarar a priori se este será precisamente o caso com sílabas proferidas pela voz humana... seja como for, observe que as sílabas só podem reproduzir no sentido de ouvir do meio interveniente. Reproduza precisamente essas vibrações e você reproduzirá precisamente essas sílabas.”
Foi o professor de física Philip Reis, um alemão, que deu vida a essa ideia. Inventou um aparelho capaz de transmitir sons utilizando a eletricidade, conhecido como “Telefone de Reis”. Seu funcionamento simula a ação do tímpano nos ouvidos humanos. O tímpano é uma membrana fina que separa a orelha externa da orelha média e vibra com as ondas sonoras do ar. O ato de escutar resulta de o cérebro interpretar essas vibrações.
O emissor do aparelho de Reis era uma estrutura de madeira semelhante a uma orelha com uma membrana muito fina o material utilizado foi pele de linguiça na qual era preso um pedaço de platina. Quando a membrana vibrava devido às ondas sonoras, o pedaço de platina fechava ou abria o contato do circuito, permitindo a passagem de corrente na mesma frequência das vibrações. Assim, o som era codificado na forma de sinais elétricos, mas como era possível reverter o processo e decodificá-los?
A resposta está em um fenômeno físico descoberto por James Joule em 1842: a magnetostricção, propriedade que assegura que um campo magnético pode deformar materiais ferromagnéticos. (para saber mais sobre magnetostricção, acesse: http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0521252_07_cap_02.pdf. Por exemplo, uma barra de ferro submetida a um campo magnético na direção de seu eixo tem um acréscimo em seu comprimento. Uma agulha foi suficiente para o invento de Reis.
O receptor do aparelho era formado por uma agulha enrolada no fio condutor, formando um solenoide, e apoiada sobre as cordas de um violino. A passagem de corrente elétrica no solenoide gerava um campo magnético sobre o eixo da agulha, a qual aumentava e diminuía de comprimento segundo os sinais elétricos recebidos; o movimento sobre as cordas do violino emitia o som.
Embora engenhoso, seu funcionamento necessitava de um ajuste muito cuidadoso dos contatos, que se conseguia mais por acidente do que por design. O invento conseguia transmitir, por exemplo, uma nota musical, mas não reproduzia bem a fala humana; com todas as suas variações de tons e frequência, o som era ininteligível. Devido ao seu funcionamento precário, poucos se interessaram pelo telefone de Reis, que morreu em 1874. Mas outros dois americanos continuaram uma acirrada corrida com a mesma ideia.
Elisha Gray e Alexander Graham Bell não tinham a intenção de criar o telefone. Esses dois inventores trabalhavam arduamente, em lugares opostos dos Estados Unidos, na tentativa de criar o telégrafo harmônico. O instrumento teria a capacidade de transmitir várias mensagens telegráficas simultaneamente. Se o telégrafo elétrico fosse um piano, seria capaz de tocar apenas uma nota, enquanto o telégrafo harmônico poderia tocar diferentes notas e, no receptor, separar os sinais recebidos em notas individuais novamente.
Em seus vários experimentos, ambos perceberam que era possível transmitir sons pelos fios. No entanto, divergiam em um ponto: enquanto Bell era um grande entusiasta da ideia, Grey não acreditava em seu valor comercial. Por meio de notícias nos jornais e pedidos de patente, tomaram conhecimento do trabalho um do outro e estabeleceu-se uma corrida pela patente do telefone, vencida por Bell. Ele chegou com exatas duas horas de vantagem ao cartório de Washington; a patente lhe foi concedida em 7 de março de 1876. O que não teria sido possível sem a ajuda do eletricista e parceiro de Bell, Thomas Watson.

A primeira versão do telefone de Bell era rudimentar e não funcionava bem. Ele não conseguiu vender sua invenção nem atrair mais investidores. Acreditando fielmente no potencial de seu invento, Bell viajou o país e conquistou multidões com apresentações públicas. Assim, obteve o sucesso que Reis não conseguiu, pois chamou a atenção das pessoas. Em alguns meses, sua empresa já havia vendido mais de 200 exemplares do telefone e cabos telefônicos eram instalados nas cidades.
O telefone despertou o interesse de muitos outros inventores, e diversas melhorias foram acrescidas com o tempo e necessidade. Melhoraram-se os microfones, surgiu a primeira campainha telefônica, surgiram os números de telefone para diferenciar a grande quantidade de linhas, foi criado o telefone público, os telefones de disco, substituíram os fios de ferro por fios de cobre e muito mais.
Alexander Graham Bell viveu para participar da primeira transmissão telefônica transcontinental entre Nova York e San Francisco. Em 1915, repetiu ele a Thomas Watson, as primeiras palavras transmitidas por sua invenção 39 anos antes: “Mr. Watson, come here, I want you” (“Sr. Watson, venha aqui, preciso do senhor”). O século XIX teve fim, mas o legado das invenções dessa época transformou completamente a vida humana e todas as formas de comunicação e transmissão de conhecimento. Este foi apenas o início da história das telecomunicações.
Referências:
The First Telephone. A. C. T. Post Office Engineer´s Journal, 1932. Disponível em: http://www.johnhearfield.com/Telephone/First_tele.htm. Acesso em 25 de março de 2017.
The “Telephon” of Philipp Reis. Basilio Catania. Antenna, Newsletter of the Mercurians, October, 2004. Disponível em: http://www.chezbasilio.org/reis.htm. Acesso em 25 de março de 2017.
Telecomunicações. Produção: The History Channel. Documentário. Disponível em: https://archive.org/details/Telecomunicacoes. Acesso em 25 de março de 2017.
A Magnetostricção. PUC-Rio. Disponível em: http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0521252_07_cap_02.pdf. Acesso em 25 de março de 2017.
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