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A Influência da Ficção Científica no Mundo Tecnológico Real

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A Influência da Ficção Científica no Mundo Tecnológico Real

Como a época de maior desenvolvimento tecnológico da história da humanidade é afetada pela imaginação de homens e mulheres empenhados em criar, não tecnologia, mas arte.


Por Pedro Henrique Oliveira Toscano Ximenes


A ficção científica, por mais que aparente ser um gênero literário recente, é, na verdade, muito mais antiga do que se imagina. Alguns contos e épicos que datam ainda da Idade Antiga, que apresentam temas como a viagem à Lua, já foram encontrados. Porém, em 1726, surge o que é creditado como um dos primeiros textos da categoria, aproximando-se do que é identificado como ficção científica atualmente, o romance satírico do irlandês Jonathan Swift, “As Viagens de Gulliver” (“Travels into Several Remote Nations of the World. In Four Parts. By Lemuel Gulliver, First a Surgeon, and then a Captain of Several Ships”, no original).

Alguns estudiosos consideram, porém, o título de primeiro romance de ficção científica de todos os tempos ao livro “Franskestein ou o Prometeu Moderno”, mais conhecido apenas como Frankestein, da escritora inglesa Mary Shelley, publicado em 1818. Ainda no século XIX, surgem alguns outros famosos autores, como Jules Verne (conhecido na língua portuguesa como Júlio Verne), autor de livros como “Viagem ao Centro da Terra” e “Vinte Mil Léguas Submarinas” e H. G. Wells, que introduz ideias como viagens no tempo.


Figura 1. Jules Verne, um dos primeiros autores de ficção científica. [Fonte: http://www.biography.com/people/jules-verne-9517579]

Ao se falar em ficção científica, talvez a primeira imagem que se venha à cabeça seja de grandes batalhas interestelares, gigantes naves espaciais capazes de destruir planetas e armas laser. O gênero, contudo, abrange um universo muito maior de possibilidades e contextos a serem explorados; de toda forma, ficção científica é um conceito bastante difícil de ser descrito. No geral, é um gênero que debate temas voltados para a ciência, seja em um universo superdesenvolvido, onde a ciência e tecnologia transformaram a sociedade, tal como os blockbusters do cinema “Star Wars” e “Star Trek”; um mundo onde a ciência se tornou obsoleta, como no aclamado livro “Um Cântico para Leibowitz”, de Walter M. Miller Jr.; uma sociedade distópica, que contraria os feitos científicos para o bem da população como os conhecidos “1984”, de George Orwell, ou “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley; ou até mesmo em uma sociedade como conhecemos atualmente em que uma tecnologia, impossível de existir na realidade, tenha parte fundamental na trama, como no elogiado filme “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças”. Todas esses enredos, por mais diferentes que sejam, encontram-se com uma infinidade de perspectivas em uma única categoria.

O auge da ficção científica se deu nas primeiras décadas do século XX, mais precisamente entre as décadas de 1930 e 1940, o que ficou conhecido como “a era de ouro da ficção científica”. O surgimento de revistas especializadas na área foi responsável por um aumento significativo de conteúdo, sendo o principal meio de divulgação de obras para autores que viram essa como uma grande oportunidade. Por exemplo, a “Weird Tales Magazine” foi responsável por lançar os primeiros textos de um dos maiores nomes do gênero do terror (que abrangia temas da fantasia e ficção científica), o estadunidense H. P. Lovecraft; já a “Amazing Stories Magazine” publicou os primeiros contos de diversos nomes renomados, como Isaac Asimov e Ursula K. Le Guin.


Figura 2. Capa da revista “Amazing Stories” de abril de 1926. [Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Amazing_Stories]

É interessante perceber que o auge desse tipo de literatura ocorreu em uma época em que a tecnologia começava a se desenvolver a passos maiores. Em meados do século passado, os grandes autores clássicos, reverenciados na atualidade, como Arthur C. Clarke, Isaac Asimov e Philip K. Dick tinham pouco embasamento tecnológico para desenvolver seus enredos. Hoje em dia, são feitas comparações entre o que existe realmente e o que foi “previsto” por esses autores.

Será, porém, que esses autores realmente previram a tecnologia do futuro? Será que a tecnologia de exibição de imagem em 3D existiria se Isaac Asimov não a tivesse “previsto” em 1964? Existiriam tablets tais quais conhecemos e utilizamos se não tivessem sido primeiro idealizados e mostrados em Star Trek? Existe realmente a necessidade de toda a tecnologia que existe hoje ser distribuída no formato que é? Ou foi influenciada pelas obras de ficção de alguns anos atrás? A resposta para isso é “talvez”. Sim, talvez tudo tivesse sido inventado exatamente do jeito que é se não existisse ficção. Talvez não. Talvez engenheiros tivessem o poder de criar, mas não soubessem o que; talvez atualmente já exista a tecnologia necessária para produzir um equipamento que será idealizado em um filme daqui a 10 anos e, só então, será desenvolvido.


Figura 3. Tablet em Star Trek: The Next Generation. [Fonte: http://tvtropes.org/pmwiki/pmwiki.php/Series/StarTrekTheNextGeneration]

É inegável, porém, que quando um grande nome da literatura fala que as televisões serão planas ou que carros terão “cérebros de robôs”, como fez Isaac Asimov, também em 1964, os cientistas e engenheiros começam a se indagar sobre a possibilidade de tornar tal previsão realidade. Os carros autônomos, ou “carros com cérebros de robôs”, por exemplo, estão em fase de desenvolvimento acelerado na atualidade.

Além de influenciar indiretamente, muitas contribuições à tecnologia foram feitas de forma direta por diversos autores. Isaac Asimov, além de suas incontáveis “previsões”, foi responsável pela criação do termo “robótica”, sendo a primeira pessoa a creditar robôs como uma possível área de estudo e desenvolvimento científico; e, apesar de nunca ter visto um robô como os que descrevia, elaborou três regras as quais um autômato deveria obrigatoriamente seguir, chamadas e conhecidas até hoje como “As Três Leis da Robótica”. Outro exemplo que pode ser citado é Arthur C. Clarke, autor de livros como “2001: Uma Odisseia no Espaço” e “O Fim da Infância”, foi reconhecido por suas contribuições na área de transmissão de dados por satélites geoestacionários. Desde a popularização do gênero, as telecomunicações, o transporte, as tecnologias espaciais e diversos outros ramos da ciência sofreram um aumento considerável em investimentos e desenvolvimento. A ficção contribui diretamente para a fantasia se tornar realidade.

Para Gene Roddenbery, criador da franquia Star Trek, “[...] a ficção científica é uma maneira de pensar, um caminho lógico que desvia de muitos absurdos. Ela permite que as pessoas olhem diretamente para assuntos importantes.”. Não apenas na tecnologia, mas a sociedade pode aprender muito com mundos criados pelos autores de ficção. Em “1984”, por exemplo, George Orwell mostra o que sociedades regidas por regimes totalitários podem se tornar; em “Admirável Mundo Novo”, Aldous Huxley questiona os limites éticos do desenvolvimento tecnológico; Ursula K. Le Guin em “A Mão Esquerda da Escuridão” indaga sobre a polarização política, conflitos religiosos e a desigualdade entre sexos.

No dicionário, a palavra ficção tem diversos significados, dentre eles “ato ou efeito de fingir”, “simulação” ou “criação da imaginação”. De fato, os mundos imaginados pelos autores podem não assumir compromisso com a realidade. Porém, uma ficção pode não ser, talvez, apenas uma simulação, mas uma antecipação de uma possível realidade, seja boa ou ruim.

A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida.

Oscar Wilde




Referências: 

Writing the future: A timeline of Science fiction literature. Caroline Edwars. Disponível em http://www.bbc.co.uk/timelines/zp7dwmn#zcypn39. Acesso em 18 de março de 2017.

Why is Science fiction so hard to define? Quentin Cooper. Disponível em http://www.bbc.com/future/story/20140729-what-is-and-isnt-sci-fi. Acesso em 19 de março de 2017.

The man who accurately predicted life in 2014 – way back in 1964. Rachel Bletchly. Disponível em http://www.mirror.co.uk/news/uk-news/how-isaac-asimov-accurately-predicted-3448078. Acesso em 19 de março de 2017.

Arthur C. Clarke. Disponível em http://www.biography.com/people/arthur-c-clarke-9249620 . Acesso em 22 de março de 2017.

Science Fiction’s Influences on Modern Society. Disponível em http://www.unsolicitedpress.com/the-buzz/science-fictions-influences-on-modern-society. Acesso em 23 de março de 2017.












          









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