Sobre a Lente de Gigantes
Conheça sobre a evolução da física da óptica ao longo da história, bem como os cientistas envolvidos nesse processo e sobre os problemas enfrentados para que hoje possamos ter aparelhos que amplificam a visão de maneira surpreendente.
Por André Igor Nóbrega da Silva
“If i’ve seen further it is by standing on the shoulder of giants” A célebre frase de Isaac Newton nos remete à importância de se basear nos trabalhos de mentes antepassadas para expandir as barreiras científicas. A escolha do verbo “ver” por Newton é particularmente interessante. A visão é nossa forma mais imediata de compreendermos os fenômenos do mundo que nos cerca. Contudo, ao passo que a sociedade se desenvolve, a ínfima porção do espectro luminoso que a espécie humana é capaz de enxergar (que vai do extremo vermelho ao extremo violeta) não é suficiente para o tamanho da curiosidade dos homens acerca dos fenômenos naturais. Assim, os estudos sobre como potencializar esse sentido, seja para observar o menor dos seres ou o mais distante dos astros, iniciaram.
Existem registros de que, em 2283 A.C., já eram utilizados cristais de rocha para observar as estrelas. Na Idade Antiga, na Assíria, já havia a lente de cristal e na Grécia, utilizava-se a lente de vidro para obter fogo. Entretanto, um dos maiores passos que a física óptica já deu ocorreu no século XVI, com os estudos de Galileu Galilei. O italiano construiu um instrumento simples: um tubo de papelão de 122 centímetros com uma lente em cada extremidade. A luz atravessava primeiramente uma lente convexa, fazendo os raios luminosos convergirem para um ponto focal e em seguida uma lente côncava ampliava a imagem. O aparelho tinha a capacidade de aumentar o alcance da visão em até 30 vezes, e mesmo com sua simplicidade, foi usado para fazer observações da Lua, principalmente das sombras das montanhas e das bordas de crateras, permitiu a descoberta das manchas solares e das quatro maiores luas de Júpiter (Io, Europa, Ganimedes e Calisto), conhecidas como luas galileanas, em sua homenagem.

Após os tempos de Galileu e, posteriormente, de Newton, os astrônomos aperfeiçoaram o instrumento. Atualmente, existem três tipos básicos de telescópios. , O telescópio refrator (utilizado por Galileu), no qual em que os raios luminosos atravessam uma lente e convergem para uma segunda, usada para fazer a observação. O telescópio refletor, no qual a luz oriunda do objeto observado é refletida por um espelho côncavo e segue em direção a um segundo espelho, direcionando a imagem para o usuário e, por fim, há o telescópio catadióptrico, que é um híbrido dos outros dois tipos: possui tanto espelhos quanto lentes corretoras.
Um desses instrumentos que mais ganhou fama foi o observador Hubble. Na década de 1970, a European Space Agency e a National Aeronautics and Space Administration começaram a trabalhar juntas no aparelho. No dia 25 de abril de 1990, cinco astronautas lançaram o telescópio em órbita a aproximadamente 600 km da Terra. O lançamento e, mais tarde, as imprecedentes imagens que o Hubble permitiu captar representam a realização de um sonho de 50 anos e mais de duas décadas de dedicação e colaboração entre cientistas, engenheiros e instituições pelo globo. O aparelho permite enxergar objetos com distâncias de até 10 bilhões de anos-luz da Terra e suas funções se dividem em explorar o sistema solar, medir a idade e tamanho do universo, procurar por nossas raízes cósmicas e desvendar os mistérios de galáxias, de estrelas, de planetas e da própria vida.

Apontando para o sentido contrário ao dos astros, pode-se destacar o desenvolvimento dos microscópios, que é um aparelho essencial para avanços na indústria alimentícia, biologia e medicina. Por volta do ano de 1590, dois holandeses – Zaccharias Janssen e seu pai Hans Janssen – começaram a fazer experimentos relacionados à óptica. Ao colocar várias lentes em um tubo, os objetos posicionados à frente do instrumento eram aumentados em aproximadamente 9 vezes. As imagens iniciais eram borradas e não muitos avanços científicos foram proporcionados nesse momento inicial. Mais tarde, Anton Van Leeuwenhoek, também holandês, tornou-se o primeiro homem a confeccionar e usar um microscópio. O aparelho de Leeuwenhoek era portátil, usava uma única lente convexa presa a um suporte de metal e seu foco era ajustado por meio de parafusos.

Com ele, o cientista foi capaz de observar bactérias, células sanguíneas e vários pequenos animais nadando em gotas de água. A sociedade na época não se dava conta de que a ampliação óptica revelava estruturas jamais vistas. A ideia de que a vida era composta por partículas invisíveis a olho nu nem sequer era considerada.
Apesar de diversas contribuições ao longo da história, o aperfeiçoamento desse instrumento teve um dos seus maiores avanços durante o século XIX, quando três grandes barreiras envolvendo o aparelho foram solucionadas. A primeira é chamada de aberração cromática e refere-se ao desvio desigual de diferentes frequências de luz que atingem a lente. O problema foi solucionado pelo advogado britânico Chester Hall em 1729. Ele descobriu que usando uma segunda lente de formato diferente, ele poderia realinhar os raios de luz sem perder as propriedades de ampliação.
O segundo problema enfrentado foi a aberração esférica e trata-se de um fenômeno em que os raios de luz incidentes próximos às bordas das lentes sofrem uma refração bem mais acentuada do que aqueles que incidem próximos ao eixo óptico. O físico britânico Joseph Jackson Lister, em 1830, percebeu que por meio da combinação entre lentes convergentes e divergentes, posicionadas à distâncias precisas, essa distorção podia ser eliminada.
E por fim, percebeu-se que para um microscópio ser tão bom quanto fisicamente possível, esse deve ser capaz de coletar uma ampla gama de luz. Ernest Abbe otimizou esse processo em 1870, imergindo os objetos observados tanto em água quanto em óleo. Ele fazia isso pois entendia as leis que regiam a captação de luz pela lente objetiva do microscópio. Dessa forma, foi capaz de alcançar resoluções 10 vezes melhores do que as alcançadas por Leeuwenhoek.
Após milênios de contribuições científicas tanto na óptica quanto em outras áreas do conhecimento, desde a Grécia antiga, passando pelos cientistas do renascimento e pela modernidade, podemos ter certeza de algo: somos criaturas limitadas. Só podemos enxergar uma parte do espetro eletromagnético, só podemos ver partículas até certo ponto e quando olhamos para as estrelas, somente uma ínfima porção do universo nos é apresentada. De fato, somos criaturas limitadas. Mas, de tempos em tempos surgem indivíduos com curiosidade e inteligência tão inquestionáveis – Galileu Galilei, Edwin Powell Hubble, Chester Hall, Joseph Lister – que conseguem expandir as barreiras de nossas limitações. Sobre a lente desses gigantes a humanidade pode se espelhar em Newton e ver mais longe.
Referências:
Telescope History. Disponível em: https://www.nasa.gov/audience/forstudents/9-12/features/telescope_feature_912.html. Acesso em: 15 de fevereiro de 2017.
History of the Microscope. Disponível em: http://www.visioneng.com/resources/history-of-the-microscope. Acesso em: 15 de fevereiro de 2017.
Entenda como funciona o telescópio e sua evolução ao longo dos séculos. Disponível em: http://redeglobo.globo.com/globociencia/noticia/2011/11/entenda-como-funciona-o-telescopio-e-sua-evolucao-ao-longo-dos-seculos.html. Acesso em: 15 de fevereiro de 2017.
Ser invisível é possível? Nerdologia. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wskKu-a8ywI. Acesso em: 15 de fevereiro de 2017.
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