Armazenamento de Dados: da Pedra Lascada ao Diamante
Armazenar algum tipo de informação, seja ela temporária ou permanente, sempre foi objeto de estudo do homem desde início das civilizações. Descubra como uma das pedras mais valiosas do planeta pode revolucionar o processamento de dados.
Por Saulo Afonso Sobreira Lima
O Período Paleolítico, ou a Idade da Pedra Lascada, é conhecido por muitos estudiosos como o precursor no armazenamento de dados. Nessa época, os homens utilizavam as paredes das cavernas para esboçar símbolos ou desenhos significativos do seu cotidiano. Algumas dessas pinturas representavam até insígnias numéricas semelhantes às estações do ano, utilizadas para determinar a boa época da caça e a época da colheita de comida.
Com o avanço dos séculos e a construção das primeiras civilizações, o homem ocupou-se em desenvolver técnicas que facilitassem a transferência de ideias e pensamentos para algo material e de fácil manuseio e transmissão. Foi a partir desse ponto que surgiram as representações numéricas, os alfabetos e os primitivos pergaminhos. Em outro momento, surgia a invenção chinesa Ábaco, a primeira calculadora inventada, responsável por guardar o resultado de um cálculo por meio da disposição das contas em um fio.
A adaptação das técnicas de armazenamento de dados seguiu as necessidades que surgiram com a evolução do homem. Gradativamente, apareceram os primeiros livros, os inaugurais blocos de anotações e os cartões perfurados. Além disso, as obras de arte ganharam grande importância nas telas de Da Vinci e no interior matizado da Capela Sistina pelas mãos de Michelangelo, com suas novas técnicas de registrar momentos e ideias nos quadros.
Entretanto, foi na segunda metade do século XX que a humanidade deu os maiores passos na gravação de informações. Utilizando o conhecimento adquirido nas pesquisas incentivadas pela Terceira Revolução Industrial, além de um grande estudo aprofundado na área, cientistas desenvolveram máquinas que revolucionaram a forma de conservar dados. Invenções como o Tubo de Williams, o Tambor de Memória e o UNISERVO introduziram no mercado formas mais tecnológicas de armazenamento, ao empregar conceitos da eletricidade e principalmente do magnetismo associados ao sistema binário. Tais inventos serviram como base para o desenvolvimento de aparelhos subsequentes.

Em 1963, a empresa holandesa Philips transformou o mercado fonográfico com o lançamento das fitas K7. Seu funcionamento ocorre pela disposição de duas bobinas de fita magnética coberta por uma substância à base de ferro, além do posicionamento de vários ímãs muito pequenos para a formação de um campo magnético. Ao gravar uma música, as partículas se organizam de forma que conseguem captar a sequência sonora. Mais tarde, surgia pelas mãos do inventor Yoshiro Nakamatsu, uma nova tecnologia que também revolucionou o meio. Os disquetes são equipamentos compostos por um disco de média removível com a capacidade de armazenar dados de até 5,76MB.
Já nos anos 90, os CDs e DVDs dominaram as plataformas de gravação de informações. A tecnologia óptica ganhou credibilidade no mercado e tomou a frente das vendas por sua confiabilidade. A ausência do risco da perda dos dados por condições naturais como umidade e desmagnetização, um grande problema do K7, alavancou ainda mais os aparelhos ópticos. Além disso, a possibilidade de armazenar uma quantidade mais densa e vasta de arquivos agregou um número de usuários maior, acentuando a sua popularidade até nos dias atuais.
Ademais, os computadores também seguiram os avanços e se adequaram para receber uma quantidade maior de informações. Com processadores de desempenho cada vez mais ágil e uma memória interna ampla, a decodificação e armazenamento de dados tornaram-se procedimentos praticamente instantâneos.
Apesar de todos os avanços na área de armazenamento de dados, os cientistas ainda encontram dificuldades em preservar quantidades extraordinárias de conteúdo. Os inventos atuais não são suficientes para suprir a demanda de informação gerada pelo mundo anualmente. Foi a partir dessa deficiência na tecnologia que pesquisadores começaram a estudar umas das estruturas mais valiosas do planeta: os diamantes.
Conhecidos mundialmente pela beleza e pelo alto valor de mercado, os diamantes são o alvo de uma grande pesquisa da Universidade da Cidade de Nova Iorque, que poderá revolucionar a forma de processar informações quânticas. Em nível atômico esses cristais são extremamente ordenados, mas podem apresentar falhas. Os centros de vacância de nitrogênio carregados negativamente (NV-) são defeitos presentes nessas pedras preciosas, que podem ser localizados e lidos por meio de tecnologia óptica. Tais imperfeições emitem a instigante possibilidade de armazenamento de dados até em três dimensões a longo prazo.
A origem dessas falhas vem da disposição geométrica das próprias pedras. Um diamante é, supostamente, uma matriz pura bem ordenada pelos átomos de carbono. Em uma análise microscópica, a sua estrutura apresenta-se em uma malha imensamente organizada, mas ocasionalmente ocorre uma ruptura nessa ordem e um átomo de carbono é perdido, dando nome a uma vacância. Quando esse espaço disponível está próximo a um átomo de nitrogênio, o defeito composto é denominado de centro de vacância de nitrogênio. Essas falhas possuem uma forte tendência a capturar elétrons, mas também o elétron presente na imperfeição pode ser forçado a sair do centro por meio do pulso de um laser .

Com isso, os pesquisadores começaram a utilizar alguns recursos ópticos para modificar o estado da carga dos centros de vacância de negativo (NV-) para neutro (NV0) e assim alterar as emissões de fotoluminescência. Após alguns testes, os cientistas puderam constatar que ao receber um estímulo de uma luz verde, o centro NV- é ionizado por meio da absorção de dois fótons, convertendo então o NV- para NV0, ou seja, para uma carga neutra. O processo também se mostrou eficaz em desconverter o estado do centro de vacância, ao receber o estímulo da mesma luz verde um NV0 pode ser conduzido para o seu estado excitado, absorvendo um elétron da camada de valência e retomando a característica NV-
Já em testes em lasers de cor vermelha, o comportamento dos centros de vacância não possui o mesmo caráter reversível. Isso ocorre porque o comprimento da onda da luz vermelha é capaz apenas de ionizar um NV- para NV0 e não de conduzir o inverso.
Com as descobertas, os cientistas enxergaram nas gemas um potencial binário, no qual a presença do elétron na falha representa o bit “1” e a ausência do mesmo o bit “0”. Por meio dessa propriedade, o estado das cargas nos centros de vacância mostrou-se eficaz para armazenar dados a longo prazo. Os dados codificados em diamantes não durariam apenas uma quantidade indefinida de tempo, uma pequena pedra poderia conter uma quantia de informações equivalente a 100 DVDs.

A tecnologia utilizada para armazenar dados abrange inúmeras formas. A humanidade tem evoluído nesse segmento e desenvolveu artifícios que fortaleceram ainda mais o processamento de informações. Contribuições valiosas, a exemplo da computação em nuvem, revolucionaram a forma de salvar conteúdos primordiais para o dia a dia do homem. Já o potencial encontrado nos diamantes pretende transformar a forma de armazenar uma quantidade gigantesca de arquivos, ao gravar dezenas de terabytes em um minúsculo cristal do tamanho de um grão de arroz.
Referências:
Long-Term Data storage in Diamond. Siddharth Dhomkar, Jacob Henshaw, Harishankar Jayakumar e Carlos A. Meriles. Universidade da Cidade de Nova Iorque. Science Advances, 26 de outubro de 2016.
Encoded Bling: Diamonds Could Store Huge Amounts of Data. Chales Q. Choi. Universidade de Missouri-Columbia e Universidade do Sul da Flórida. Live Science, 26 de outubro de 2016.
New Method Could Store Massive Amounts of Data in Diamond Defects. Jason Daley. Smithsonian Institute, 27 de outubro de 2016.
A História e Evolução do Armazenamento Digital. Disponível em: http://escreveassim.com.br/2013/10/11/a-historia-e-evolucao-do-armazenamento-digital/. Acesso em 23 de janeiro de 2017.
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