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A Sétima Arte e o Mundo Digital

A chegada do cinema digital provocou uma revolução no modo de produção e de consumo do tradicional entretenimento inventado pelos irmãos Lumière.


Por José Iuri Barbosa de Brito


Desde a primeira exibição do "La Sortie de l'usine Lumière à Lyon" (“A Saída da Usina Lumière em Lyon”), considerada a primeira projeção audiovisual feita em 1895 em Paris pelos irmãos Lumière, a história do cinema é marcada por diversas transformações e adaptações. Nos últimos anos, os caminhos da sétima arte e os da tecnologia digital têm se encontrado e seguido cada vez mais próximos. A imagem e o som digital transformaram o cinema e ampliaram as opções e possibilidades criativas dos produtores de filmes.

A fita de celuloide, ou rolo de filme, inventada pelos engenheiros da Edison Laboratories nos Estados Unidos, até cerca de quinze anos atrás reinava absoluta por mais de oito décadas. As fitas de filme contêm certa quantidade de fotogramas que são projetados em uma tela a uma taxa de pelo menos 24 quadros por segundo, dessa maneira dando a impressão de continuidade, ou movimento, nas imagens. Apesar de muito antiga, a tecnologia dos rolos de filme, cumpria seu papel e facilitava a produção e exibição cinematográfica, barateava os custos de filmagem e permitia a abertura de mais salas de cinema. Entretanto, assim como qualquer mídia analógica, o rolo de filme é suscetível a diversos problemas, principalmente pela dificuldade de replicar o conteúdo e o desgaste natural devido ao uso intenso.

O som também sofreu uma grande mudança no cinema digital. Para captar o som e exibir em projetores de 35 mm (largura de cada fotograma) utiliza-se uma parte da banda óptica do rolo de filme, contudo, devido a sua capacidade reduzida de armazenagem é necessário comprimir o áudio, técnica que acarreta perda na quantidade de informações transmitidas e consequente queda de qualidade. Com a técnica do som digital é possível armazenar completamente as faixas de áudio da filmagem, que além de conter mais informações relevantes, permite um tratamento melhor e correção de falhas.


Figura 1. Fita de celuloide, ou rolo de filme, era a principal forma de projeção por quase oito décadas [Fonte: : http://www.infoescola.com/biografias/leonardo-da-vinci/]

A obtenção das imagens é feita por meio de sensores CCD (Charged Coupled Device) ou o CMOS (Complementary Metal Oxide Semicondutor) que são elementos no estado sólido que, junto com um circuito integrado, geram um sinal elétrico quando a luz incide sobre eles. Para a digitalização da imagem o sinal elétrico gerado é amostrado e quantizado. A amostragem é o processo de discretização da imagem bidimensional nas duas direções ortogonais, x e y, para gerar uma matriz de M x N amostras. Cada elemento dessa matriz é chamado de pixel (picture element). A quantização é o número inteiro de níveis de cada componente de cor, em uma imagem colorida, ou de níveis de cinza, em uma imagem monocromática, permitidos para cada amostra.

Para a definição correta de uma cor é preciso pelo menos três componentes ou sensores. Os mais comuns são detectores para os níveis de cores primárias (RGB), de cores secundárias (CMY) ou de matriz, luminância e saturação (HLS). As câmeras devem conter um ou três dispositivos de captura CCD ou CMOS, dependendo do tipo de imagem desejada na filmagem, monocromática ou colorida. A separação de cores em aparelhos com três sensores é feita por meio de prismas no interior da câmera como é mostrado na figura a seguir:


Figura 2. Separação de cores em uma câmera com três CCDs. [Fonte: Gomide, Araújo]

É possível também utilizar um único sensor e obter imagens coloridas, para isso utiliza-se filtros na frente dos sensores com os três componentes de modo a receber três imagens diferentes, por meio de um determinado processamento é possível recuperar a cor real de cada pixel. Entretanto, são necessários efetivamente três pixels para obter a informação de apenas um, ou seja, uma câmera que utiliza este padrão e tem a resolução FullHD de 1920 x 1080 tem na realidade resolução de 5760 x 1080. Devido a isso há o desperdício da resolução da imagem original. O padrão Bayer (padrão que utiliza filtros RGB e um sensor) obteve grande sucesso no cinema recente, incluindo filmes ganhadores de Óscares como as produções “O Curioso Caso de Benjamin Button” e “Quem quer ser um milionário?”


Figura 3. Imagem real utilizando o padrão Bayer e a imagem pós-processamento. [Fonte: Crockrell.]

Para armazenar as imagens gravadas em disco é necessário comprimir os dados, de forma que a quantidade de dados transmitidos a uma determinada taxa (bitrate) seja maior. Os codecs são formatos de compressão e descompressão e são classificados em dois tipos: compressão com perda e sem perda. A imagem sem perda baseia-se na redução da redundância estatística, ou a informação demasiadamente explicita como, por exemplo, a sequência “AAAA” que pode ser descrita como “4A”, de modo que o resultado final da imagem seja exatamente igual à original. A compressão com perdas, além de eliminar a redundância estatística, busca a exclusão de informações pouco ou não perceptíveis ao olho humano de modo que a imagem comprimida não apresente grandes desvios da cena capturada.

As diversas técnicas de compressão de dados imprimem uma nova dinâmica ao trabalho com imagens em movimento, já que a maior parte do processamento dos efeitos deve ser realizada de forma rápida, pois o vídeo deve ser decodificado, manipulado e então codificado novamente. A maneira como a filmagem está codificada indica o que é possível de ser feito em termos de manipulação de imagem, o artista responsável deve ter conhecimento desses fatos para que seja possível a aplicação de efeitos visuais com base na codificação utilizada. Em grande parte das vezes é necessário reduzir a qualidade da imagem para que seja possível processar os efeitos e tornar a exibição sútil para a visualização.

A compressão de dados gerados pela imagem em movimento pode ser realizada de duas maneiras: exclusivamente software ou por software e hardware. As técnicas que utilizam apenas software são geralmente mais fáceis de serem implementadas, já que não há a necessidade de planejar e incluir ferramentas de hardware. Entretanto a falta de um equipamento robusto impõe um tempo maior de produção e um resultado com qualidade menor.

A compressão feita por hardware e software é mais eficiente, pois permite que uma maior quantidade de instruções seja realizada a cada segundo. Devido a essa capacidade é possível analisar melhor as redundâncias e atribuir valores, antes que o próximo quadro do vídeo seja processado. Os sistemas de compressão de hardware e software são definidos de acordo com a tecnologia e a mídia em que os arquivos devem ser executados de modo a aproveitar o máximo da capacidade do dispositivo. Os padrões mais comuns definidos pela indústria cinematográfica são o JPEG (Joint Photographic Experts Group) e o MPEG (Motion Pictures Experts Group), mais utilizado para áudio e vídeo.


Figura 4. Principais padrões de áudio e vídeo utilizados pela indústria cinematográfica. [Fonte: Gomide, Araújo]

A edição e aplicação de efeitos em filmes digitais é um grande atrativo para a alteração de mídia, já que uma das fases mais caras do cinema analógico é a etapa de finalização. Em vídeos analógicos, é impossível acessar diretamente uma determinada parte da gravação sem que se execute todo o componente de filme até o ponto desejado, dessa forma qualquer edição simples feita na filmagem obriga a reedição de todo o resto do rolo de filme. As fitas de celuloide utilizadas nas grandes produções cinematográficas são mais resistentes e permitem que o produtor possa cortar uma parte do rolo de filme e emendar em outra (daí que surge o termo “cortar uma cena”), entretanto, após algumas alterações é necessário copiar a fita para que seja possível continuar fazendo as edições e, com isso, a qualidade da imagem se perde por consequência do inevitável ruído. Essa característica de edição é chamada de linear, pois é sempre necessário percorrer todo o rolo de filme para chegar a um determinado ponto.

Com o cinema digital é possível acessar diretamente qualquer parte da gravação sem prejudicar as demais. A edição não linear permite a alteração e edição em tempo real sem comprometer a compressão do sinal. A maior parte dos equipamentos digitais utilizam a interface serial FireWire (IEEE 1394) que permite a transferência de dados em alta velocidade e comunicação em tempo real.

A computação gráfica e os efeitos gerados por computador são outra parte das possibilidades geradas pelo cinema digital. No cinema analógico, muitos dos efeitos são feitos por meio de artifícios mecânicos (movimentação de câmeras, miniaturas e outras estruturas), entretanto o cinema digital ampliou a utilização de efeitos gerados pelo computador, principalmente em objetos tridimensionais produzidos por computação gráfica.


Figura 5. Efeito Warping aplicado digitalmente à pupila do ator de modo a parecer menor. [Fonte: Gomide, Araújo]

A captação de movimento, ou mocap, técnica que visa simular ou reproduzir o deslocamento de objetos e seres vivos, é outra tecnologia que ganhou espaço no cinema digital. Aliada à computação gráfica, a captação de movimentos tornou a filmagem de animais e seres vivos mais simples, principalmente seres imaginativos e não existentes. As câmeras seguem os marcadores que são colocados no corpo do ator de modo a orientar a fragmentação e processamento das imagens no computador. Filmes recentes utilizaram essa técnica para produzir efeitos e seres com incríveis riqueza de detalhes, a exemplo do filme “O Hobbit: A desolação de Smaug”.


Figura 6. Ator Benedict Cumberbatch interpretou o dragão Smaug no filme “O Hobbit: A desolação de Smaug”. As cenas com a criatura utilizaram captura de movimentos. [Fonte: Rebloggy]

Apesar de ser uma realidade no mundo inteiro, as salas de cinema no Brasil não têm a mesma velocidade de transição que as dos demais países. Atualmente, a infraestrutura do cinema brasileiro possui 23% das salas de cinema digital em relação ao total (cerca de 600), atrás da média latino-americana (latino-americana) de 40.6% e de países mais ricos como os Estados Unidos com 84% e a (o) Reino Unido com 90% de adaptação. A falta de um padrão claro de exibição também dificulta a adaptação, já que transformar a sala de cinema tradicional para a digital requer um investimento alto e são necessárias determinadas configurações para o aproveitamento máximo da mídia sem perda de qualidade.

As salas de cinema digitais deixaram de ser exclusivamente de cinema, com as mídias digitais é possível exibir uma variedade de conteúdo antes impensável para os projetores tradicionais. Os cinemas ao redor do mundo já transmitem concertos de música, grandes eventos esportivos e transmissões ao vivo. Essa transformação é de grande interesse por parte dos produtores de eventos, já que um evento local pode ser exportado muito mais facilmente e contar com a integração e geração de valor em vários locais.

A sétima arte passa por mudanças para se adequar às novas tecnologias digitais. Como aconteceu com a TV digital, o cinema digital tem um longo caminho a percorrer para que se tire o máximo proveito das tecnologias que surgem a cada dia. Mas assim como as demais formas de entretenimento, a modernização do cinema o deixa mais acessível e permite a todos contemplar a arte da mesma forma que os parisienses contemplaram o invento dos irmãos Lumière.




Referências: 

Efeitos Visuais, uma Abordagem a Partir do Processamento Digital de Imagens. Gomide, João Victor Boechat, Araújo, Arnaldo de Albuquerque, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Revista de Informática Teórica e Aplicada, Volume XVI, Número 1, 2009.

Cinema Digital - Introdução. Associação Brasileira de cinematografia. Disponível em http://www.abcine.org.br/artigos/?id=136&. Acesso 18 de Janeiro de 2017.

Projeção digital: os desafios da transição no Brasil. Associação Brasileira de cinematografia. Disponível em http://www.abcine.org.br/artigos/?id=1022&. Acesso 18 de Janeiro de 2017.

Cinema Digital. Baptista, Eduardo. Disponível em http://www.fazendovideo.com.br/artigos/cinema-digital.html. Acesso 18 de Janeiro de 2017.

Digital Cinema Conversion Nears End Game. Variety media. Disponível em http://variety.com/2013/film/news/digital-cinema-conversion-nears-end-game-1200500975/. Acesso 18 de Janeiro de 2017.












          









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