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Eye Tracking: Muito além do que os olhos podem ver

A captura dos movimentos oculares estabelece uma potente interface homem-computador que nos permite analisar com precisão diversas situações e extrair dados cada vez mais precisos.


Por José Iuri Barbosa de Brito


I- Introdução

Nossos olhos podem revelar muitas coisas a nosso respeito. Um simples olhar pode deixar transparecer atenção, sentimentos, necessidades ou estados emocionais. Tendo isso em vista, a interpretação e a captura das informações transmitidas pelo olhar tornaram-se um ramo de pesquisa ativo nos últimos anos, impulsionando diversas áreas do conhecimento e têm mostrado grande variedade e possibilidade de aplicações.

O termo eye tracking designa um conjunto de métodos para a captura dos pontos de foco e dos movimentos relativos dos olhos. Com esses dados é possível coletar informações referentes à movimentação ocular, ao tempo de mudança de ponto focal e aos pontos de atenção. Consequentemente, um sistema robusto de detecção é considerado crucial no desenvolvimento da interação homem-máquina. A precisão do tracker permite que os dados sejam mais fiéis à realidade e forneçam, de maneira correta, os dados e mapas oculares.

Apesar das aplicações eye tracking estarem, em sua maioria, confinadas a laboratórios, grandes avanços na área de interface homem-computador foram realizadas. Impulsionado pelos avanços na capacidade computacional e estudos em interação visual, o rastreamento dos olhos mostrou capacidade de prover diversas necessidades e abriu caminhos pouco estudados, a exemplo do neuromarketing.

II- Métodos de utilização

O desenvolvimento de técnicas de eye tracking existe há pelo menos 100 anos. Métodos baseados em medição do potencial elétrico derivado da movimentação ocular, eletrooculograma, e outros mais tradicionais, como o uso de lentes para obtenção da posição da córnea, foram os pioneiros e obtiveram bons resultados, entretanto, por se tratarem de procedimentos considerados invasivos, logo caíram em desuso.

Os métodos mais recentes utilizam os princípios de visão computacional. O uso de câmeras para detectar a posição dos olhos e o ponto focal tem dado resultados precisos e rápidos. O emprego de aparelhos mais portáteis facilitou e expandiu as aplicações, já que agora o sistema pode recolher dados em qualquer situação, seja no cotidiano ou nos centros de pesquisa. Alguns dos métodos mais comuns estão descritos a seguir:

A. Eletrooculograma

Sabe-se que o olho humano pode ser considerado um dipolo elétrico fixo, sendo a retina o polo negativo e a córnea o polo positivo, estabelecendo um potencial que varia entre 0 e 40 mV. A movimentação ocular provoca a rotação no dipolo, alterando dessa maneira o campo elétrico ao redor do órgão. Com a utilização de eletrodos é possível captar a mudança no sinal elétrico.

Figura 1. Sinais elétricos gerados pela movimentação dos olhos [Fonte:Lima, et al.]

A captação do movimento ocular por meio dos eletrooculogramas possui diversos problemas. O potencial elétrico pode ser facilmente alterado devido à luz, ao cansaço, e demais condições físicas do estudado e do ambiente. Entretanto, com a devida utilização de softwares de ajuste e a correta calibração dos equipamentos é possível obter resultados satisfatórios.

B. Captura por Padrão de Reconhecimento

Baseado em redes neurais artificiais, esse método é utilizado para encontrar, por meio de dimensionamento e classificação dos pixels relevantes, a posição da pupila. Com base na análise dos principais componentes que caracterizam o olho humano é possível identificar mais rapidamente as prováveis posições para o foco ocular. A rede neural pode então processar e localizar a posição correta do olho e extrair os parâmetros interessantes para a pesquisa.

O método de análise do padrão de reconhecimento demanda uma grande capacidade computacional, impossibilitando, na maior parte dos casos, a utilização do sistema em tempo real. Para contornar esse problema, surgiu o método de predição de Tang e Zhang. Esse baseia-se em prever, por meio de modelos matemáticos, a posição do olho com base no frame de vídeo anterior, limitando assim a área de busca e agilizando o reconhecimento da posição ocular. Outras adaptações a esse método também vieram à tona. A abordagem Mehrubeoglu, por exemplo, propõe analisar apenas os frames em que o olho está parado, assim, é possível estimar a movimentação da íris e consequentemente do ponto focal.

Figura 2. a) Reconhecimento de pontos que caracterizam a posição da pupila. b) Cálculo da posição ocular e do foco. [Fonte: Murawski, Rózanowski.]

C. Captura baseada nos pontos de reflexão da córnea

Muitos Eye Trackers utilizam um sistema de visão com base nos pontos de reflexão da luz na córnea. Na Figura 3 é exibido o ponto de reflexão e sua distância do centro da pupila. Com os devidos cálculos e calibrações do equipamento é possível calcular o ponto focal. Já que cada olho terá um ponto de reflexão diferente, a intersecção das retas estimadas da passagem da luz indica o ponto focal.

Figura 3. Ponto de reflexão da luz na córnea do usuário. [Fonte:Hua, H; Krishnaswamy, P; Rolland, JP]

Com imagens em tons de cinza, o computador pode identificar facilmente o ponto de reflexão e o centro da pupila. Devido à alta necessidade de calibração, além de ser muito instável a mudanças no ambiente, esse método de detecção de movimentação ocular não pode ser utilizado para análises em tempo real. Contudo, representa uma forma eficiente e rápida de captar os pontos focais em aplicações que não necessitam mobilidade ou respostas imediatas.

Figura 4. Imagens baseadas em escala de cinza facilitam a identificação do ponto de reflexão. [Fonte:Al-Rahayfeh, A; Faezipour, M.]

III- Aplicações
A. Tecnologia Assistiva utilizando Eye Tracking

O propósito da tecnologia assistiva é permitir que pessoas desabilitadas de alguma forma possam desempenhar tarefas desacompanhadas. A movimentação ocular pode ser útil nessa proposta, já que raros são os casos em que um paciente perde a capacidade de mexer os olhos.

Com a devida adaptação, o usuário é capaz de selecionar palavras e ações de um menu onde é possível enviar informações e comandos. Esse tipo de equipamento pode ser utilizado junto a um computador, que com o devido preparo é capaz de comportar sistemas de câmera-cursor e pictogramas tornando a comunicação mais rápida e eficiente.

B. Estudo dos focos de atenção

Os aparelhos de eye tracking são capazes de identificar os pontos de atenção em determinados intervalos de tempo. Esse tipo de estudo permite analisar e compreender o comportamento humano em várias situações e assim entender as ações e decisões tomadas em momentos críticos.

Figura 5. A esquerda: Focos de atenção de um motorista novato ao entrar na curva. A direita: Focos de atenção de um motorista experiente realizando a curva. [Fonte:Hunziker, H.]

C. Neuromarketing

O neuromarketing foca em entender o comportamento e os desejos do consumidor por meio de estudos do sistema nervoso central e periférico. Esse modelo de publicidade mostra-se efetivo, pois identifica realmente os pontos de interesse do pesquisado e consegue indicar aos pesquisadores a reação do cérebro humano a determinados estímulos.

O eye tracking caiu “como uma luva” para as pesquisas em neuromarketing. Os focos de atenção e movimentos oculares são, na maior parte do tempo, involuntários, assim, os dados recolhidos não sofrem com influências externas não desejadas. Diferente dos métodos comuns de pesquisa, o rastreamento ocular não pode ser enganado e fornece dados mais confiáveis, principalmente derivados do comportamento “não planejado”.

Figura 6. Mapas dos focos de atenção do mesmo portal antes(à esquerda) e depois(à direita) da aplicação de técnicas de neuromarketing. O resultado mostra-se mais espalhado e com maior aproveitamento do espaço. [Fonte:Kissmetrics.]

As pesquisas mais avançadas conseguem identificar diversos fatores, o que não seria possível por meio dos métodos convencionais. O eye tracking ajuda a entender o motivo que impulsiona o cliente a comprar um produto. Durante a visualização do produto, as reações espontâneas do olho podem demonstrar diversos sentimentos e sensações a exemplo da dilatação da pupila ao observar comida. Um rastreador pode captar essas mudanças e reportar para os pesquisadores cada alteração relevante.

IV- Conclusões

Com o tempo, o eye tracking vem demonstrado ser um bom e efetivo sistema de interface homem-computador. Muitos testes e pesquisas vêm sendo realizadas e reportadas utilizando essa nova tecnologia, fato que impulsiona cada vez mais o desenvolvimento de métodos apropriados e sofisticados para análise e coleta dos dados.

A diversidade de aplicações faz com que o rastreamento ocular se torne uma realidade nas mais diversas atividades. A integração de vários aplicativos ao eye tracking já é realidade, principalmente em jogos imersivos, portanto não será nada estranho se no futuro, junto a um computador, vier integrado um aparelho eyetracker.

Apesar de todo o avanço, ainda é necessário mais pesquisas e trabalhos nesta área para tornar o eye tracking mais prático em aplicações do mundo real. Novos métodos que apresentam desempenhos melhores e análises em tempo real continuam sendo o foco e o objetivo da maior parte dos pesquisadores. O futuro parece promissor para o rastreamento ocular e suas diversas aplicações.




Referências: 

Eye Tracking and Head Movement Detection: A State-of-art Survey. Al-Rahayfeh, A. Faezipour, M. University of Bridgeport, IEEE Journal of Translational Engineering in Health and Medicine, November 6th, 2013.

A Survey of Eye tracking methods and applications. Lupu, R. G. Ungureanu, F. UniversitateaTechica George Asachidin Iasi, BuletinulInstitutuluiPolitehnicDin Iasi, August 29th, 2013.

A Bradth-First Survey of Eye Tracking Applications. Duchowski, A. T. Clemson University, Behavior Research Methods, Instruments, and Computers, 2002.

A Survey on Eye-Gaze Tracking Techniques. Chennamma, H. R.. University of North Texas, Indian Journal of Computer Science and Engineering, November, 2013.

Pattern Recognition in Eye Movement Validation. Isiaka, F. Ibrahim, A. M. University of Manchester, University of Leeds International Refereed Journal of Engineering and Science, August, 2014.










          









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