Fusão Nuclear: o Sol em uma Garrafa Magnética
Como um projeto de investigação de vários países pode apresentar uma alternativa eficaz às usinas de geração de energia e mudar os rumos do desenvolvimento tecnológico.
Por Ellen Ribeiro Lucena
Em novembro de 1985, foi lançado o projeto de cooperação internacional científica que seria responsável por transformar o condado de Oxfordshire (sudeste da Inglaterra) no lugar com maior concentração de calor do Sistema Solar. Parece absurdo, mas esse calor é produzido no interior de uma máquina. O Reator Termonuclear Experimental Internacional (ITER) é o projeto que propõe a construção de tokamaks, máquinas usadas para provocar fusões nucleares. Essas fusões são o principal objeto de estudo do projeto, para a geração de uma fonte de energia limpa que promete superar em eficiência e benefícios a energia por fissão nuclear.
Atualmente, uma das fontes de energia mais bem aceita utiliza a fissão nuclear. Reação que ocorre pela fissão de um isótopo radioativo do Urânio quando é bombardeado por nêutrons. O resultado dessa interação é a quebra do núcleo da partícula mais pesada e a liberação de três nêutrons. A fissão do Urânio cria os átomos de Kriptônio e Bário, que, por serem radioativos, são caracterizados como lixo atômico. Mesmo sendo uma fonte limpa, os riscos de acidentes em usinas nucleares, com a possibilidade de liberação do material radioativo, ofuscam a propagação dessa forma de energia.
A fusão nuclear, por outro lado, se destacou no fim da Segunda Guerra Mundial como uma reação ainda mais poderosa do que a fissão, com as bombas de Hidrogênio. Ela decorre da união de isótopos que dá origem a um elemento mais pesado chamado partícula alfa. Por exemplo, a fusão dos isótopos do hidrogênio, Trítio e Deutério, resulta em um núcleo atômico de Hélio, liberando um nêutron.
Para que o processo aconteça, o Trítio e o Deutério devem estar imersos em plasma, gás submetido a uma temperatura tão elevada que as moléculas presentes nele se dividem e os átomos se ionizam. É necessário ainda que a força que gera a colisão entre os isótopos do Hidrogênio seja suficientemente grande para fazer com que a força nuclear forte sobrepuje a força de repulsão (barreira eletrostática) entre os dois, por serem ambos positivamente carregados.
A energia liberada nessa reação segue a equação deduzida por Einstein na Teoria da Relatividade Restrita: E = MC². Em que E é a energia liberada, M é a diferença entre as massas inicial e final e C é a velocidade da luz. Sendo a velocidade da luz aproximadamente 3x108 m/s, a energia liberada em reações nucleares será sempre muito alta. No caso da fusão, só para a ignição do plasma, é necessário o equivalente a uma bomba de fissão nuclear. Seria como explodir a bomba de Hiroshima para dar início à explosão de uma bomba de Hidrogênio (ou bomba H). No entanto, uma vez disponibilizada a energia necessária para a ignição, as reações de fusão continuam ocorrendo de maneira autossuficiente. A energia liberada finalmente pela bomba H é 700 vezes maior que a energia da bomba usada como gatilho.
O Sol, como qualquer outra estrela, nasceu e sobrevive a partir das fusões nucleares. A força gravitacional do Sol gera as colisões entre isótopos de hidrogênio e é suficientemente intensa para ultrapassar a barreira eletrostática. Graças à grande quantidade de energia produzida pelo Sol, formam-se nele erupções que, se atingirem a Terra, podem causar grandes estragos às redes de transmissão e provocar extensos blecautes. Tendo o Sol como exemplo, pensou-se em criar na Terra as condições necessárias para reproduzir essa geração de energia. Para isso, sete nações (Coreia, China, Índia, Japão, União Europeia, Rússia e EUA) uniram forças e deram início, em 2006, a um dos maiores investimentos mundiais em ciência, a construção da maior Tokamak do mundo (nomeada com o título do projeto, ITER).
As Tokamaks foram construídas baseadas no modelo desenvolvido pelos soviéticos em 1950. Esse modelo baseia-se no uso de campos magnéticos como força geradora das fusões no reagente. No Sol, essa força é a gravidade. A disposição dos campos magnéticos nas Tokamaks se dá de forma a suprir algumas dificuldades e imitar o efeito da força gravitacional sobre as camadas de plasma.
Por ter temperaturas extremas, o plasma não pode estar em contato com nenhuma estrutura sólida. Assim, a estruturação de um Tokamak deve criar um confinamento não-sólido que tanto isole o plasma da estrutura quanto otimize as reações nucleares para minimizar as perdas de energia.
O interior de uma Tokamak é estruturado tal qual a Figura 2. Observa-se a presença de anéis azuis em formato de D, nos quais é aplicada uma corrente que gera um campo magnético, tal qual o de um toroide, representado pela “rosquinha” cor de rosa. O campo orienta o plasma submetido a uma temperatura dez vezes maior que a do Sol. No entanto, esse campo não é suficiente para confinar o plasma definitivamente. A geometria dele permite que elétrons escapem da estrutura, caracterizando uma grande perda energética final. Por isso, existe um solenoide (em verde) no centro do toroide. Nele, a corrente de plasma induz uma força eletromotriz que, por sua vez, cria um novo campo magnético, representado na figura pelas setas verdes em anel que circundam a rosca rosa. A sobreposição dos dois campos magnéticos faz com que a corrente de plasma assuma uma trajetória helicoidal (tais quais as setas azuis circulares, ao longo da rosca). Esse novo campo tem propriedades geométricas extremamente favoráveis ao confinamento do plasma.

Figura 2. Funcionamento de uma Tokamak. Anéis azuis em formato de D: Toroide gerador do campo magnético que induz a circulação do plasma; setas verdes: anel de vácuo, em seu interior circula o pasma; tubo verde central: solenoide no qual é induzida uma força eletromotriz, que gera também um campo magnético alterando a trajetória do plasma; setas azuis: Trajetória resultante do plasma. [Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=zn1SJOPgewo
Esse confinamento magnético é tão significativo que cria condições ótimas para as fusões, liberando a energia esperada, a princípio, sem perdas. Uma parte dela é liberada em forma de nêutrons, produto final do reator. O nêutron não tem carga e, por isso, não sofre influência do campo magnético, saindo do reator e vaporizando a água contida em um reservatório. O vapor gira hélices e, por fim, a energia cinética é convertida em energia elétrica (esse procedimento é o mesmo das usinas de fissão nuclear).
Outra parte da energia é liberada em forma de Hélio, que, por ter carga, permanece sob a influência do campo dentro da “garrafa magnética”. Isso faz com que, a cada fusão, a temperatura do plasma aumente. O aumento da temperatura, em um meio de confinamento adequado, cria erupções como as que são observadas no Sol. Elas ocorrem várias vezes por segundo e, para cada ocorrência, causam uma considerável perda energética. Esse foi o mais recente impasse quanto à necessidade de melhorias de rendimento do projeto.

Essas erupções poderiam ser facilmente anuladas com a diminuição da temperatura, o que significaria reduzir ainda mais a eficiência do reator. Uma solução alternativa seria diminuir o confinamento magnético, mantendo a geometria do campo. Para isso, mantém-se o bom confinamento no centro do reator (para manter a temperatura alta no centro e assim a eficiência das fusões) e provoca-se uma diminuição desse confinamento nas bordas externas, com o auxílio de bobinas, que criam um pequeno campo magnético local (que varia de acordo com a instabilidade do plasma, monitorado por sistemas de medição), reduzindo o confinamento somente nas bordas.

Espalhadas por mais de 10 países, as Tokamaks têm proporcionado grandes avanços nas investigações em fusão nuclear. A maior delas, a JET (“Joint European Torus”), foi construída em 1999 e se localiza no condado de Oxfordshire. Seu rendimento, o maior registrado até agora, foi da ordem de 0,6 (forneceu-se 25 Megawatts para obter-se 16 Megawatts de energia). Mesmo assim, estudos de testes realizados na JET comprovaram que quanto maior o reator maior é o rendimento. Isso porque se o reator é maior, consequentemente as reações de fusão irão permanecer acontecendo por mais tempo e a energia obtida será muito maior.
Por isso, em 2010 iniciou-se a construção da maior Tokamak já projetada, a ITER, na França, no departamento de Bouches-du-Rhône. A conclusão da obra está prevista para 2020. A ITER deverá ter três vezes o peso da Torre Eiffel e ocupar uma área de 60 campos de futebol. Suas enormes proporções deverão gerar dez vezes mais energia que a necessária para alimentá-la. Deverão ser fornecidos 50 Megawatts de energia e esperasse que a energia gerada seja de 500 Megawatts.

A expectativa sobre essa nova fonte de energia tem tomado toda a comunidade científica internacional. Sabendo que uma usina de fusão nuclear jamais poderia sofrer um acidente como o de Chernobyl, caso ocorresse o rompimento da “garrafa magnética” o plasma resfriaria sem causar danos à comunidade. O acidente mais grave que poderia acontecer em uma usina desse tipo seria a ruptura da camada de vácuo que poderia permitir a liberação do Trítio, isótopo radioativo de hidrogênio. No entanto, o Trítio existente no interior do reator é suficiente apenas para manter o funcionamento dele por alguns segundos, a liberação do material seria numa concentração muito baixa, e nunca exigiria a evacuação dos habitantes locais.
O experimento que será realizado em 2020 pode desencadear grande desenvolvimento no campo tecnológico. Se a energia é considerada um dos principais limitadores futuros do desenvolvimento, talvez agora, tenha se achado uma alternativa.
Referências:
Fusion: How to Put the Sun in a Magnetic Bottle - with Ian Chapman. The Royal Institution. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zn1SJOPgewo. Acesso em 24 de outubro de 2016.
ITER - UNLIMITED ENERGY. Disponível em: http://www.iter.org/. Acesso em 24 de outubro de 2016.
Informações sobre o ITER. Disponível em: http://www.cfn.ist.utl.pt/pt/consultorio/listC.html. Acesso em 24 de outubro de 2016.
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