Supercondutores e o Sulfeto de Hidrogênio
Uma descoberta que abriu novas possibilidades sobre supercondutores, as expectativas de pesquisa científica e as aplicações no transporte público.
Por Thiago Oliveira Delmiro Neves
O uso de condutores de baixa resistividade se deve à grande perda de energia elétrica por meio do Efeito Joule, em que a resistência do material transforma energia elétrica em energia térmica. No Brasil, perdas em linhas de transmissão de energia elétrica chegam a 20%, causando um aumento de gastos aos consumidores e um impacto ambiental ainda maior, já que parte considerável dessa produção provém de usinas termelétricas. Uma solução para esse tipo de adversidade é o desenvolvimento de materiais desprovidos de resistência elétrica, os supercondutores, que ainda hoje são um dos grandes objetivos da descoberta científica.
Em 1911, enquanto estudava as propriedades da matéria em baixas temperaturas, o físico holandês Heike Kamerlingh Onnes e sua equipe descobriram que a resistência elétrica do mercúrio se anula em temperaturas inferiores a 4,2 K (-269ºC). Essa foi a primeira observação do fenômeno da supercondutividade, posteriormente constatando que a maioria dos elementos têm propriedade supercondutora em temperaturas suficientemente baixas.
Abaixo de certa temperatura crítica, um dado material passa por um processo de transição ao estado de supercondutor, que é caracterizado por duas propriedades básicas:
- O material deixa de oferecer qualquer resistência à passagem de corrente elétrica. Não há dissipação de energia.
- Para campos magnéticos externos suficientemente fracos, supercondutores impedem a penetração destes em seu interior, fazendo com que o campo permaneça em sua superfície. Essa propriedade é conhecida como Efeito Meissner.
Nem a Física convencional nem a Física Quântica dos estados sólidos conseguem explicar o estado de supercondução. Foi apenas em 1957 que os pesquisadores estadunidenses John Bardeen, Leon Cooper e John Schrieffer estabeleceram uma teoria microscópica para a supercondutividade. Essa teoria recebeu o nome de teoria BCS por causa de seus formuladores.
De acordo com essa teoria, os elétrons se agrupam em pares por meio de interações, chamadas de fônons, com vibrações na rede de átomos do material, formando pares de Cooper, que se movem no interior do sólido sem atrito. O sólido condutor pode ser considerado como uma rede ou grade de íons positivos imersos numa núvem de elétrons. À medida que um elétron passa através dessa rede, os íons positivos movem-se levemente, atraídos pela carga negativa do elétron. Esse movimento gera uma concentração de cargas positivas, que por sua vez, atraem outro elétron.
A energia dessa interação é frágil, por isso, os pares de Cooper são facilmente quebrados por energia térmica – sendo esse o motivo de um material precisar de baixas temperaturas para atingir o estado de supercondutor.
Contudo, a teoria BCS não explica a existência de supercondutores em “altas temperaturas” (comparadas com as temperaturas usuais próximas ao zero absoluto), como o Sulfeto de Hidrogênio, detentor do recorde de supercondutor de mais alta temperatura a 203 K (-70ºC). Portanto, a teoria BCS ainda é incompleta, necessitando de outras teorias para explicar os casos que fogem à regra.
O estado de supercondução pode ser quebrado por um aumento da temperatura ou por um campo magnético de intensidade acima do suportado pelo material supercondutor, pois o campo penetraria o material e cancelaria o efeito Meissner. Desse modo, é necessário fazer uma distinção entre dois tipos de supercondutores.
Supercondutores Tipo 1: são os supercondutores “leves”. Mantêm o estado de supercondução apenas para campos magnéticos externos suficientemente fracos. Acima de certo limite, o campo penetra abruptamente o material, destruindo a supercondução. Além disso, esse tipo requer as mais baixas temperaturas para atingir o estado de supercondução e foram os primeiros a serem descobertos. São geralmente formados por metais ou metaloides com alguma condutividade em temperatura ambiente.
Supercondutores Tipo 2: toleram penetração local do campo magnético, o que permite a preservação das propriedades do supercondutor em presença de campos magnéticos intensos. Esse comportamento é explicado pela coexistência de áreas supercondutoras e não-supercondutoras no material. Esse tipo possibilita o uso de supercondutividade sob campos magnéticos intensos, contribuindo para o desenvolvimento de ímãs para aceleradores de partículas, por exemplo. São geralmente compostos de metais e ligas metálicas.
As aplicações de supercondutores em sistemas de levitação magnética são possíveis pelo efeito Meissner, propriedade dos supercondutores. Para a levitação de objetos de massa considerável, é preciso o uso de supercondutores do tipo 2, pois os de tipo 1 não podem ser expostos a campos magnéticos elevados. Inicialmente, o supercondutor é repelido por campos magnéticos. Ao aumentar a intensidade do campo de forma que ele penetre o interior do supercondutor, este último fica ligado à configuração estabelecida com o campo magnético. Desse modo, a tentativa de aproximar os objetos (em relação ao estado de levitação ajustado) resulta numa repulsão mútua, enquanto a tentativa de separação dessa configuração resulta numa atração mútua, conforme pode ser visualizado no vídeo de link https://www.youtube.com/watch?v=Z4XEQVnIFmQ.
Os eletroímãs utilizados no Grande Colisor de Partículas (em inglês, Large Hadron Collider) também fazem uso de supercondutores. Para a manutenção de uma trajetória adequada das partículas, que percorrem um túnel de 27 quilômetros 11.245 vezes por segundo, são utilizados eletroímãs que geram campos magnéticos de 8,4 Tesla (mais de 100.000 vezes mais potentes que o campo magnético da Terra), suportados por uma corrente de 11.850 Ampères, que derreteria o núcleo dos eletroímãs por Efeito Joule caso não fosse feito de supercondutores.
Essas aplicações de supercondutores, contudo, requerem um elevado gasto com mecanismos de resfriamento do material supercondutor, o que causou um grande interesse de investidores em pesquisas sobre supercondutores com temperatura de supercondução mais aproximada da temperatura ambiente.
Em 17 de agosto de 2015, um estudo publicado na revista Nature revelou a descoberta do Sulfeto de Hidrogênio, gás comum na natureza, como o supercondutor de maior temperatura crítica de supercondução, assim como apresentou uma explicação para esse fenômeno, que não era previsto para a temperatura de 203 K (-70ºC). Uma das peculiaridades desse experimento foi sua realização a pressões de mais de 1 milhão de atmosferas terrestres, o que possibilitou a simetrização quântica da molécula de Sulfeto de Hidrogênio, que atingiu o estado de supercondução numa temperatura mais elevada que o previsto.
A simetrização quântica ocorre pela dualidade onda-partícula do próton (hidrogênios que doam elétrons para o enxofre na molécula), que em pressões adequadas, tunelam para o estado simétrico (linear) da molécula de Sulfeto de Hidrogênio.
Figura 3: geometria usual da molécula de Sulfeto de Hidrogênio (à esquerda) e estado simétrico proporcionado pela simetrização quântica via tunelamento quântico (à direita)
A descoberta implica em novos métodos de pesquisa sobre novos supercondutores, pois aumenta o número de possibilidades com a nova explicação via Física Quântica. O Instituto de Tecnologia de Pequim, baseado nesse estudo, prevê que a substituição de 7,5% dos átomos de enxofre por fósforo e o aumento da pressão para 2,5 milhões de atmosferas poderiam resultar num supercondutor a 280 K (7ºC), temperatura acima do ponto de fusão da água.
Todavia, apesar da confirmação da supercondução do Sulfeto de Hidrogênio, ainda não se confirmou o efeito Meissner no composto por nenhum dos grupos independentes de pesquisa.
Um supercondutor à temperatura ambiente revolucionaria o transporte público juntamente com as pesquisas e desenvolvimento do Maglev, um modelo de trem-bala com levitação magnética capaz de atingir altas velocidades devido à ausência de atrito com trilhos. No dia 21 de abril de 2015, um maglev do Japão quebrou o recorde mundial ao atingir 603 km/h numa pista de teste. Supercondutores são fortes candidatos a substituirem os eletroímãs usados para a levitação desses trens, necessitando, porém, de um custo de manutenção menor para poderem ser aplicados nos transportes públicos.
A área de pesquisa envolvendo supercondutores é promissora e de grande interesse para a Engenharia Elétrica, em especial. A melhoria da transmissão da energia elétrica, a utilização de ímãs potentes para a busca por conhecimento sobre as fundações do Universo e o aumento da eficiência de motores elétricos são possíveis metas para aplicações de supercondutores e objetivos para os futuros engenheiros.
Referências:
Superconductivity record sparks wave of follow-up physics. Edwin Cartlidge. Nature, 17 de agosto de 2015.
Quantum insight into world’s smelliest superconductor. Cathal O’Connell. Disponível em https://cosmosmagazine.com/physics/quantum-insight-world-s-smelliest-superconductor. Acesso em 25 de junho de 2016.
Superconductivity. CERN. Disponível em https://home.cern/about/engineering/superconductivity. Acesso em 25 de junho de 2016.
Superconductor information for the Beginner. Joe Eck. Disponível em http://www.superconductors.org/. Acesso em 25 de junho de 2016.
Magnetic Levitation. Wikipedia – the free encyclopedia. Disponível em https://en.wikipedia.org/wiki/Magnetic_levitation#Superconductors. Acesso em 25 de junho de 2016.
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