Semáforos: imprescindíveis ou dispensáveis?
É possível um retorno às ruas de antigamente sem semáforos e sinalizações?
Por Arthur Silva Vasconcelos
Segundo o Dicio, dicionário online da Língua Portuguesa, trânsito é o movimento de veículos e de pedestres considerado em seu conjunto. Sendo assim, fica complicado ter uma noção exata de quando ocorreu o surgimento do trânsito, visto que toda a atividade humana está relacionada ao deslocamento de um local para outro. Porém, foi apenas com o surgimento dos meios de transporte que começou a haver uma preocupação maior com relação ao trânsito. Os romanos foram uma das primeiras civilizações que se preocuparam com a circulação de veículos e pedestres e, para isso, criaram mais de 100.000 quilômetros de extensão de estradas para suas tropas. Eles também foram uns dos primeiros a perceber algumas complicações no trânsito e que buscaram organizá-lo melhor por meio da utilização de leis e regras.
Com o avanço cada vez maior dos meios de transporte, principalmente com o advento da roda, o crescimento populacional e a modernização das vias, os problemas no trânsito foram apenas aumentando e a sua regulamentação e organização foi se tornando progressivamente indispensável. Um dos maiores símbolos dessa exigência de controle do fluxo de veículos é o semáforo.
Até hoje o semáforo ainda é visto como um dos principais símbolos do trânsito. O advento dos semáforos ocorreu em Londres, na Inglaterra, e, por mais incrível que pareça, antes mesmo dos carros serem inventados. O primeiro semáforo do mundo começou a operar no dia 10 de dezembro de 1868 no cruzamento das ruas George e Bridge, próximo ao parlamento inglês. Esse primeiro dispositivo foi projetado por J. P. Knight, engenheiro ferroviário, e era dotado de dois braços que funcionavam de maneira que, quando estendidos horizontalmente, significavam "pare" e, quando inclinados a 45 graus, significavam "siga com cuidado". Quando no período da noite, uma lâmpada de gás verde e uma vermelha reforçavam as indicações dos braços. Já o primeiro semáforo elétrico viria a ser criado apenas em 1912 por Lester Wire, um oficial da polícia de Salt Lake, Estados Unidos.
Os sinais de trânsito estão tão presentes em nossas vidas que é quase inimaginável vivermos sem eles. Desorganização, acidentes e, até mesmo, mortes são as primeiras consequências que vêm à nossa cabeça com uma possível retirada deles do nosso cotidiano. No entanto, diversas cidades em várias partes do mundo estão deixando de utilizar sinaleiros e qualquer outro tipo de sinalização visando a adoção do conceito chamado de “espaço compartilhado”, shared space em inglês.
Presente em cidades de países como Alemanha, Inglaterra e Holanda, a ideia do shared space é que a solução para reduzir o número de acidentes e, assim, aumentar a segurança no trânsito não é segregando motoristas, ciclistas e pedestres utilizando semáforos, placas ou qualquer tipo de sinalização, mas sim unindo-os em um chamado espaço compartilhado. Esse modelo, que tem o engenheiro de trânsito holandês Hans Monderman como um dos principais pioneiros, baseia-se no chamado “efeito de compensação de risco”. Esse efeito diz que, diante dos riscos de um trânsito sem sinalização, os motoristas modificariam seus hábitos, dirigindo com maior cautela.
Placa na cidade de Poynton, Inglaterra, informando a utilização do shared space.
O shared space também está presente em alguns locais de grandes cidades, como na encruzilhada de Seven Dials, em Londres. Mas a pergunta que você deve estar se fazendo é: esse modelo é realmente seguro, ainda mais em uma cidade grande? Um estudo realizado pela Universidade Politécnica de Madrid em 2008 diz que em alguns casos, como nas cidades de Olderberkoop, Donkerbroek e Drachten, foi observada uma clara redução dos acidentes com feridos. O arquiteto e urbanista britânico Hamilton-Baillie também garante que o nível de segurança em Seven Dials é excelente.
No caso da cidade de Drachten, na Holanda, pesquisas mais aprofundadas com relação aos resultados da implantação do espaço compartilhado foram feitas levando em consideração a rotatória de Laweiplein. Um estudo feito pela Universidade de Ciências Aplicadas Dutch Noordelijke Hogeschool Leeuwarden (NHL), em 2007, verificou uma redução bastante significativa no número total de acidentes ocorridos na rotatória após a implantação do shared space em 2003. Em 2004, o número era de oito acidentes por ano, mas foi apurado apenas um acidente em 2005, mesmo com o tráfego tendo aumentado.
No entanto, também existem críticas com relação ao espaço compartilhado. Cegos ou pessoas dotadas de outras deficiências são os maiores críticos da adoção desse modelo, pois veem essas áreas como proibidas para eles, por não se sentirem seguros devido à ausência de limites. Ciclistas também não conseguem se sentir totalmente protegidos. Uma questão bastante pertinente acerca do assunto é se uma disseminação maior do modelo não faria com que os motoristas acabassem por perder esse senso de “risco”, de maneira que, assim, não dirigiriam mais com tanta cautela. Enfim, é fácil vermos que essa ainda é uma ideia polêmica. É até difícil imaginarmos isso no nosso cotidiano.
Porém, existe ainda outra possibilidade de extinção dos semáforos. Esse é o objetivo de uma pesquisa do MIT (Massachusetts Institute of Technology). E o estudo não se fundamenta no fator psicológico da sensação de risco, mas sim numa tecnologia chamada DriveWave. O projeto se baseia numa comunicação entre carros e cruzamentos, fazendo com que não sejam necessárias paradas nos encontros de duas ou mais vias.
Um ponto importante da pesquisa é que não seria necessário que os carros fossem autônomos. Basta acontecer a comunicação citada anteriormente, de forma que o sistema determinasse uma rota pela qual os veículos seguiriam e se manteriam, em linha reta, junto com outro grupo de carros. Também se faz necessária a determinação de um limite de velocidade. Tudo isso combinado, acabaria com a necessidade de parada em cruzamentos. “Você não vai ter de esperar 20 anos por uma tecnologia assim. Não precisamos de carros autônomos. Na verdade, é muito mais simples”, afirma Paolo Santi, cientista do Ambient Mobility Lab. O vídeo que pode ser visto no seguinte link apresenta bem a proposta dessa nova tecnologia: https://www.youtube.com/watch?time_continue=29&v=4CZc3erc_l4.
No entanto, é óbvio que existem problemas. O principal deles é o fator humano. O sistema traçaria a trajetória e definiria o limite de velocidade, mas caberia ao motorista seguir de maneira correta o previsto. Outro ponto importante é a travessia de pedestres. A necessidade de implantação de passarelas ou outras maneiras de passagem seria ainda maior. Atualmente, ainda são procuradas cidades para implementação, em caráter de testes, dessa nova tecnologia.
Voltar a não utilizar semáforos, não obrigatoriamente nos moldes de outrora, é uma possibilidade de conquista de mais segurança no trânsito, mas, de toda forma, o ponto mais importante no que se diz respeito à obtenção de um deslocamento mais seguro para todos é a consciência. Regras, leis, sinalizações, modelos ou tecnologias são importantes e podem ajudar bastante na busca por uma excelência na segurança da circulação de pessoas e veículos, mas de nada servem se não houver cautela e responsabilidade por parte de motoristas, ciclistas e pedestres. Afinal, somos nós que fazemos o trânsito.
Referências:
The Laweiplein: Evaluation of the reconstruction into a square with roundabout. Disponível em http://www.fietsberaad.nl/library/repository/bestanden/Evaluation%20Laweiplein.pdf. Acesso em 23 de abril de 2016.
MIT thinks it can create a world without traffic lights. Disponível em http://bgr.com/2016/03/18/mit-smart-intersection-traffic-lights/. Acesso em 23 de abril de 2016.
Espaços compartilhados reduzem acidentes?.Disponível em http://www.mobilize.org.br/noticias/5070/espacos-compartilhados-reduzem-acidentes.html. Acesso em 24 de abril de 2016.
A origem do semáforo: Sinal de trânsito.Disponível em http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/origem-semaforo-sinal-transito-435369.shtml. Acesso em 23 de abril de 2016.
A história do trânsito e sua evolução.Disponível em http://www.transitobr.com.br/downloads/a_historia_do_transito_e_sua_evolucao.pdf. Acesso em 23 de abril de 2016.
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