Antimatéria: do Mar de Dirac aos Aceleradores de Partículas
A evolução da antimatéria durante o século XX, como ela é estudada no século XXI e os desafios futuros para a física de partículas.
Por Caio Victor Aires Diniz
Hoje, vivemos em um universo que aparentemente é feito só de matéria, ainda que as teorias afirmem que, no princípio, matéria e antimatéria eram criadas em quantidades iguais. O mistério é que toda a antimatéria parece ter desaparecido, levando à conclusão de que a natureza deve ter uma “ligeira preferência” pela matéria. Mas afinal, o que é antimatéria? Como foi descoberta sua existência?
A antimatéria é a matéria com carga elétrica invertida, ou seja, com prótons de carga negativa e elétrons de carga positiva. A descoberta desta altera a maneira como a própria matéria é vista e sabe-se agora que a matéria e a antimatéria não podem subsistir no mesmo espaço físico, pois ambas se anulam e se destroem, resultando da reação apenas energia. Ocorre que, quando uma partícula colide com uma antipartícula, dá-se uma explosão na qual há emissão de radiação pura que é emanada do ponto da explosão à velocidade da luz. Dessa explosão, são deixadas apenas partículas subatômicas e toda a massa das partículas iniciais é convertida em energia em forma de raio gama.
Em 1920, Erwin Schrödinger (1887 - 1961) e Werner Heisenberg (1901 - 1976) publicaram uma das teorias mais importantes da teoria quântica, conhecida como Teoria da Onda de Matéria. Entretanto, esta não é compatível com a Relatividade apresentada por Einstein em 1905. A famosa equação de Schrödinger só se aplica a partículas com velocidades baixas comparadas com a velocidade da luz. Essa é uma grande limitação, pois os elétrons nos átomos e nos núcleos não se conformam com essa restrição.
Por volta do ano de 1928, Paul Adrien Maurice Dirac (1902 – 1984), então com 26 anos, desenvolveu a teoria que mudaria a concepção do mundo em que vivemos. Seu pensamento consistia em uma versão da mecânica quântica que incorporava a relatividade especial de Einstein, na tentativa de explicar o comportamento dos elétrons em torno do núcleo atômico. Físico e matemático, Paul Dirac era formado em Engenharia Elétrica e Matemática, e deu enormes contribuições no mundo da Física, fundamentando a Mecânica Quântica e Eletrodinâmica Quântica.
A teoria de Dirac explica a origem do spin dos elétrons e seu momento magnético (grandeza vetorial que determina a intensidade da força que um imã pode exercer sobre uma corrente elétrica e o torque que o campo magnético gerado exerce sobre essa mesma corrente), porém sua equação apresenta uma dificuldade: a equação relativística exige a existência de estados negativos de energia (-E=mc^2). Assim, caso os estados negativos de energia existam, é de se esperar que os elétrons transitem entre eles e os positivos, liberando energia em forma de fóton no processo, assim como ocorre no estado positivo. Dessa forma, Dirac chama o conjunto dos elétrons desse estado negativo de Mar de Dirac, e afirma que nele, todos os estados de energia negativa estão preenchidos. Os elétrons no Mar de Dirac não reagem a forças externas, já que não há estados disponíveis para que os elétrons façam qualquer transição, a não ser que haja uma interação com o ambiente suficientemente forte para excitá-los para o estado positivo de energia. Esse processo faz com que um dos estados negativos do Mar de Dirac fique vazio. O buraco pode reagir com as forças externas de maneira similar ao elétron, exceto pela carga positiva. Ele é a antipartícula do elétron.
No modelo de Dirac, um elétron em um estado negativo de energia é excitado até um estado positivo de energia, resultando em um novo elétron observável e um buraco, o pósitron.
Entretanto, só em 1932 o primeiro pósitron foi identificado e observado pelo físico britânico Carl Anderson (1905 – 1991), recebendo em 1936 o prêmio Nobel da Física pela realização. Anderson descobriu o pósitron ao examinar rastros em uma Câmara de Wilson (dispositivo que mostra o rastro deixado por partículas subatômicas por meio de um gás super-resfriado) criados por partículas similares ao elétron, mas com carga positiva. Para diferenciar essas cargas, Anderson colocou a câmara dentro de um campo eletromagnético e observou que alguns rastros similares aos dos elétrons desviavam para uma direção correspondente à de uma partícula carregada positivamente.
Figura 1. Ilustração da teoria de Paul Dirac. (a) Estruturas de níveis de energia positiva ( >mc^2) e negativa (
Até então, acreditava-se que toda partícula possuía sua antipartícula correspondente, entretanto, o antipróton e o antinêutron não haviam sido detectados experimentalmente. Como a teoria de Dirac apresentava falhas, era necessário provar que o antipróton realmente existia. Assim, em 1955, uma equipe liderada por Emilio Segrè (1905 – 1989) e Owen Chamberlain (1920 – 2006) estabeleceu, com certeza, a existência dessas antipartículas, com auxílio do acelerador de partículas da Universidade de Cambridge na Inglaterra. A partir de então, foi estabelecido que toda partícula possui uma antipartícula correspondente, de mesma massa, mas com cargas opostas. As únicas exceções são os fótons, píons e etas neutros, sendo estas suas próprias antipartículas. Em 1959, Segrè e Chamberlain receberam o prêmio Nobel da Física pelo trabalho realizado.
Dessa maneira, um aspecto que até os dias atuais chama a atenção dos físicos é que se fossem substituídos cada próton, nêutron e elétron dos átomos de matéria, por suas antipartículas, seria formado um antiátomo estável. E assim, seria possível existir antimoléculas e, por consequência, até antimundos. Até onde se sabe tudo se comportaria da mesma forma em um antimundo como se comporta no nosso mundo. Portanto, seguindo a teoria, existiriam antigaláxias extremamente distantes. Apesar de não ser comprovada a existência até o momento, é intrigante se pensar numa futura colisão entre os dois "mundos", antimatéria e a matéria.
Atualmente, a grande maioria das pesquisas realizadas na área da física de partículas ocorre por meio dos aceleradores de partículas. No ano de 2008, o mundo inteiro voltou a sua atenção para o maior acelerador de partículas já construído até então, o LHC (Large Hadron Collider - Grande Colisor Elétron-Pósitron) , que é uma colaboração internacional de 400 físicos de 13 países, incluindo o Brasil. No entanto, é muito conhecido também como a Máquina do Big Bang, pois por meio dele os cientistas querem recriar condições muito similares as que existiam logo após o Big Bang, em termos de temperatura e densidade extremas, para o estudo de como pode ter sido o universo na época de sua criação. Ele pode atingir temperaturas na ordem de -271,9 ºC com o uso de 10 mil toneladas de nitrogênio líquido.
Figura 2. Imagem do acelerador de partículas LHC localizado na Suiça e inaugurado no ano de 2008.
O maior centro de estudo da antimatéria do mundo fica na periferia da cidade de Genebra, na Suíça, sendo formado por um enorme tubo circular com circunferência de 26,7 km e diâmetro de 7 m. É subterrâneo e fica a cerca de 100 m abaixo do solo. “O LHC é, na verdade, um acelerador de partículas, um gigantesco tubo onde pedacinhos de matéria são postos para girar. [...] Você pisca o olho e essas partículas dão 10 mil voltas nos 27 quilômetros do tubo. E, de repente, acontece aquilo que os cientistas mais esperam: partículas se chocam e, com a violência do impacto, se desfazem ” como está na notícia “Máquina Vai Reproduzir o Início do Universo” do G1 publicada em setembro de 2008. A partir daí, partem os estudos relacionados à antimatéria e à física de partículas. No processo, são produzidas a matéria e a antimatéria, e em seguida é feita uma análise da sua evolução nas condições impostas. Nesse momento, tenta-se entender, por exemplo, por que a antimatéria desapareceu e como o Universo de formou a partir das duas.
Um dos usos da aniquilação de elétron e pósitron é em exames médicos, como a tomografia de pósitrons. No exame, o paciente recebe uma solução de glicose que contém uma substância radioativa que diminui com a emissão de pósitrons (geralmente o Flúor-18 - Fluorodesoxiglicose, FDG – cuja importância se deve a sua meia-vida curta e a fácil emissão de pósitrons, quando em decomposição), que é espalhada pelo corpo pela corrente sanguínea. O pósitron emitido pela substância aniquila-se com os elétrons do tecido humano, resultando em dois fótons de raio gama. Um detector gama ao redor do paciente localiza a origem dos fótons e com o auxílio de um computador exibe os focos onde a glicose se acumula, sendo esse acúmulo uma característica dos tumores cancerígenos pelo metabolismo rápido da própria glicose. Como é ilustrado na Figura a seguir:
Figura 3. Ilustração do funcionamento da tomografia por pósitrons, uma das utilidades da antimatéria na atualidade.
O armazenamento da antimatéria é feito com uma técnica chamada penning trap, que consiste em criar campos eletromagnéticos para suspender a antimatéria em uma câmara de vácuo. Isso é necessário porque a interação da matéria com a antimatéria resulta em uma liberação de energia surpreendente, o que danificaria os equipamentos.
A antimatéria está intimamente ligada ao início dos tempos no mundo que conhecemos, entretanto, o mistério de sua contribuição para o Bing Bang ainda se mantém. Já se passaram décadas desde a apresentação ao mundo da teoria de Paul Dirac, mas as investigações sobre antimatéria estão apenas no início. E embora possamos fabricá-la, ainda existem passos largos a serem dados no campo da Física de Partículas. Assim, a antimatéria é uma fonte de energia muito poderosa, no entanto, não sabemos controlá-la e muito menos usá-la de forma efetiva.
Referências:
SERWAY, Raymond . Príncipios da Física – Óptica e Física Moderna. Cengage Learning. Tradução da quinta edição norte-americana.
Disponível em :< https://umsaberdiferente.wordpress.com/2009/10/29/paul-dirac/ > Acesso em 22 de Fevereiro de 2016.
Disponível em: < http://super.abril.com.br/ciencia/em-busca-da-antimateria > Acesso em 22 de Fevereiro de 2016.
Disponível em: < http://ciencia.hsw.uol.com.br/antimateria1.htm > Acesso em 22 de Fevereiro de 2016.
Disponível em < http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2010/268/a-antimateria-e-o-universo > Acesso em 22 de Fevereiro de 2016.
Disponível em < https://aorigem.wordpress.com/2011/01/24/a-hipotese-da-anti-materia/ > Acesso em 22 de Fevereiro de 2016.
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