O Som do Cosmos
O que Albert Einstein teorizou em 1915, na Teoria Geral da Relatividade, finalmente foi comprovado. As Ondas Gravitacionais existem e trouxeram uma nova forma de entender o Universo e, talvez, a nós mesmos.
Por Emilly Rennale Freitas de Melo e
Wislayne Dayanne Pereira da Silva
Figura 1. À esquerda, o co-fundador do LIGO, Rainer Weiss, abraça-se com Kip Thorne, à direita, durante a conferência de imprensa na National Press Club, Washington (EUA), sobre a detecção das ondas gravitacionais. Fotografia: Andrew Harnik/AP.
11 de fevereiro de 2016: um dia para ser lembrado. Na segunda quinta-feira de fevereiro, a Fundação de Ciência Nacional (National Science Fundation, NSF), dos Estados Unidos da América (EUA), divulgou que ondas gravitacionais foram detectadas pela primeira vez por cientistas do Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferometria a Laser (,Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory, LIGO), cem anos após a previsão de Albert Einstein. A descoberta – ou comprovação - movimentou a ciência de tal forma que pode ser considerada uma das mais importantes revelações do século, criando um campo completamente novo para a Astronomia e abrindo caminho para enxergar o Universo de uma forma completamente nova.
A história começa no auge do desenvolvimento da teoria do eletromagnetismo, quando crescia uma das mentes mais brilhantes da humanidade, Albert Einstein. Motivado pelas novas constatações ao seu redor, Einstein interessou-se pelo estudo da luz, especificamente pela sua velocidade. A partir de uma série de observações, Einstein percebeu que essa velocidade é sempre a mesma, independente do referencial. O que já é um contrassenso diante do que vivenciamos no cotidiano. Para entender melhor, pense em três carros viajando em uma estrada do seguinte modo: o primeiro deles está a 100 km/h. Na direção contrária, outro carro também viaja a 100 km/h. E, mais à frente, há um terceiro automóvel a 70 km/h.
Para o primeiro carro, o seu motorista está em repouso; o carro que vem no sentido contrário se aproxima a 200km/h e o automóvel à frente está ficando mais perto por 30km/h. Agora, imagine que esses carros são subtituídos por raios de luz. Nesse caso, tanto o feixe à sua frente quanto o que vem na direção contrária têm a mesma velocidade, que é de 300 mil km/s, aproximadamente. Uma vez que, desde Sir Isaac Newton, tinha-se o espaço como algo absoluto, estático e imutável, enquanto o tempo seria sempre uma constante, a grande questão era: como é possível que o espaço e o tempo se ajustem tão bem para manter constante a velocidade da luz?
Einstein resolveu esse mistério ao considerar que o problema desaparece quando se trata o tempo como uma variável. Como a velocidade é medida pela relação entre a distância percorrida e o tempo que se leva para atingi-la, a fim de manter esse número sempre o mesmo com valores distintos de distâncias, é preciso que o tempo também tenha elasticidade - esticando ou contraindo, conforme a necessidade, para preservar essa relação. Quanto mais rápido se viaja, mais devagar o tempo passa. O tempo e o espaço caminham juntos, um se ajustando ao outro a todo momento, formando o que conhecemos como espaço-tempo. Assim, a partir dessas ideias, Albert Einstein publicou em 1905 sua Teoria da Relatividade Especial, pela qual o espaço, ao contrário do que Newton imaginava, é dinâmico, e, associado com o tempo, determina como os objetos se movem.
O amadurecimento dessa ideia ocasionou a explicação de outra importante questão: como a gravidade funciona. Newton, centenas de anos antes, sabia que a gravidade estava relacionada à atração observada entre os objetos, considerado-a uma força, que dependia das massas dos corpos e da distância entre eles. No entanto, o seu funcionamento continuava a ser uma grande incógnita, até Einstein, mais uma vez, entrar no jogo.
Para ele, a gravidade não seria uma força, mas sim uma propriedade do espaço-tempo: sua curvatura causada pela presença de matéria. O espaço-tempo é constituído por uma geometria totalmente flexível, possibilitando que se estique ou se comprima, de maneira similar ao que acontece com um tecido comum. Então, quando corpos muito grandes, como a Terra, movimentam-se, formam distorções, e os objetos ao redor são atraídos para o centro dela, movimentando-se pela concavidade e emitindo radiação sob a forma de ondas gravitacionais. Essas são as curvas naturais do espaço-tempo, pelas quais até a luz se curva. Com esses conceitos, Einstein publicou a Teoria Geral da Relatividade em 1915.
Figura 2. Tecido do Espaço-Tempo.
O que Einstein não percebeu foi que, se o Sol fosse comprimido para um diâmetro de seis quilômetros, formaria-se um buraco negro, um objeto tão denso que até se a luz chegasse próximo o suficiente, ela nunca iria escapar. [Para ler um de nossos artigos sobre buracos negros, clique aqui ] Quem notou isso foi o alemão Karl Schwarzchild, cientista que, ao ler a recém lançada Relatividade Geral (RG), rapidamente deduziu uma solução matemática exata que descrevia algo extraordinário: curvas tão fortes que o espaço cairia nelas, curvando-se como uma cachoeira para o buraco e nem mesmo a luz escaparia.
Einstein ficou bastante impressionado com essa solução, mas mesmo assim nunca acreditou em buracos negros na natureza, achava que eram meramente uma extravagância matemática. Isso aconteceu décadas antes das pessoas perceberem que buracos negros eram objetos astrofísicos reais - o estado de morte de uma estrela muito massiva que colapsa violentemente no final de sua vida. Contudo, não obstante as diversas evidências da existência de buracos negros, eles nunca haviam sido detectados com certeza, eram encontrados apenas “cadidatos” a buracos negros. Um dos motivos dessa falta de constatação era a impossibilidade de escutá-los: de encontrar as ondas gravitacionais que buracos negros produziriam em condições extremas, como numa colisão entre dois deles.
Ondas gravitacionais são também uma das soluções para as equações da Teoria da Relatividade Geral, configurando-se como ondulações no tecido do espaço-tempo causadas quando um objeto massivo é acelerado. É algo semelhante ao que acontece quando se lança uma pedra em um lago, distorcendo a superfície da água.
Figura 3. Ondas gravitacionais. Crédito: Caltech.
Quanto mais massivo e denso um objeto for e quanto mais rápido ele acelere, mais contundentes e energéticas as ondas serão. Para um planeta de massa pequena como a Terra, que se move acelerada pela gravidade do Sol uma vez ao ano, por exemplo, não constitui em um movimento suficiente para ter esperanças de detectar as suas minúsculas ondas. Entretanto, quando se considera corpos muito massivos como estrelas de nêutrons, elas gerariam ondas que poderíamos verificar. Tanto que em 1974 isso já foi feito, indiretamente. Um sistema binário de estrelas de nêutrons foi descoberto pelos astrônomos Joseph Taylor e Russel Hulse, que analisaram como a emissão de energia orbital dessas próprias estrelas pelas ondas gravitacionais afetava suas trajetórias. Eles perceberam que, como era previsto pela Relatividade Geral, as órbitas diminuíam e que o tempo que as estrelas levavam para girarem uma ao redor da outra diminuia drasticamente. Esses dados foram confirmados e correspondiam exatamente ao que fora calculado com base na RG, garantindo o Prêmio Nobel para Taylor e Hulse.
Nesse cenário, os cientistas começaram ativamente a tentar encontrar as famigeradas ondas gravitacionais e por isso criaram a proposta do Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferometria a Laser (LIGO), com intuito de desenvolver uma tecnologia capaz de alcançar a maior precisão possível, para identificar as ondas gravitacionais. Embora a proposta seja antiga, uma série de fatores contribuíram para que o LIGO começasse a funcionar ativamente, com o grau de precisão esperado, apenas em setembro de 2015, seria o Advanced LIGO. Surpreendentemente, em meados do mesmo mês, o primeiro sinal apareceu.
Figura 4. “Universo em crescimento do LIGO”. A imagem mostra como o volume de espaço que o detector poderia escanear aumentou com o aperfeiçoamento do LIGO. Melhoramentos futuros no LIGO significam que o universo observável do LIGO crescerá novamente em breve. Crédito: Nature.
Mais de 1000 cientistas trabalharam nesse projeto de 1 bilhão de dólares estabelecido pela National Science Foundation, incluindo seis físicos brasileiros. O experimento usa dois interferômetros, um localizado no Estado de Washington e o outro em Louisiana, nos EUA, operados pela Caltech (California Institute of Technology) e pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology). Essa disposição procura permitir que os sensores captem as distorções no espaço quando uma onda gravitacioal passa pela Terra. Cada interferômetro tem a forma de L, cujos braços têm quatro quilômetros de comprimento. Interferômetros são instrumentos investigativos de muitas áreas da ciência e da engenharia. São chamados assim porque trabalham pela fusão de duas ou mais fontes de luz para criar um padrão de interferência que pode ser medido e analisado. Os padrões de interferência gerados por eles contém informações sobre os objetos ou fenômenos em estudo e são geralmente usados para medições realmente pequenas, que não são alcançadas de outro modo. Por esse motivo, são os dispositivos ideais para detectar as ondas gravitacionais, além do fato de terem sido aperfeiçoados para medir distâncias de 1/10 000 do comprimento de um próton.

Figura 5. Observatório de Livingston, Luisiana, EUA.
Nos interferômetros, a luz do laser percorre um caminho de ida e volta, refletindo nos espelhos, e um relógio atômico extremamente preciso mede quanto tempo leva para essas luzes fazerem sua jornada. Normalmente, como os dois braços têm o mesmo comprimento, a luz leva o mesmo tempo para percorrê-los e os feixes de luz se cancelam quando alcançam o detector. Todavia, se uma onda gravitacional passa através do instrumento, o aparelho irá expandir e contrair infinitesimalmente em uma direção, de modo que os dois braços não mais terão o mesmo comprimento e, portanto, o laser e seus reflexos se desalinhariam, mudando o padrão de interferência, produzindo um sinal mensurável no detector. E foi o que ocorreu no equipamento do LIGO. Para entender melhor, veja as figuras abaixo e o vídeo da NSF https://www.ligo.caltech.edu/video/IFO-response.
Figura 6. Analogia exagerada do que aconteceu quando as ondas gravitacionais atingiram a Terra.
Figura 7. Como o LIGO funcionou. Crédito: Nik Spencer/Nature.
Esse experimento é tão delicado que eventos como um avião sobrevoando os detectores, vento batendo nas paredes do prédio ou um pequeno abalo sísmico poderiam perturbar os lasers de forma semelhante às ondas gravitacionais. Assim, os pesquisadores eliminaram tais sinais indesejados, melhorando a infraestrutura dos dispositivos, e também levaram em consideração que seria muito improvável que algo terrestre influisse em ambos os observatórios de Washington e de Louisiana. Comparando os dois detectores, pode-se ter mais certeza que se trata de algo vindo de fora da Terra. O sinal chegou em 14 de Setembro, às 5h 51min, horário ocidental, alcançando o detector de Louisiana sete milissegundos antes de alcançarem o detector de Washington, apresentando em ambos medições semelhantes e de acordo com a RG. Esse atraso era previsto devendo-se às ondas se movendo na velocidade da luz pelo espaço.
Mas o que causou essas ondas gravitacionais? A resposta é algo tão mind-blowing quanto as próprias ondas: elas capturaram a espiral da morte e o resultado de um sistema binário de buracos negros muito massivos há 1.3 bilhões de anos - 1.3 bilhões de anos luz da Terra - colidindo e fundindo-se em um único buraco negro, em um evento catastroficamente violento.
O que acontece é bastante semelhante às constatações sobre as estrelas de nêutrons que levaram Taylor e Hulse a um Nobel. Enquanto os buracos negros giram agressivamente, eles emitem energia na forma de ondas gravitacionais e perdem energia orbital, diminuindo suas órbitas e fazendo com que girem ainda mais rápido um ao redor do outro. Dessa forma, a frequência das ondas aumenta com a rapidez do movimento dos dois objetos, cujas velocidades aumentam à medida que suas órbitas encolhem, resultando em uma emissão cada vez mais rápida de energia, até que os buracos negros ficam próximos o suficiente e se fundem quase que instantaneamente, tornando-se um único buraco negro.
De acordo com a verificação do Advanced LIGO, um dos buracos negros era de cerca de 36 massas solares e o outro de 29. Os cálculos mostram que eles espiralaram entre si e se fundiram em um único buraco negro, mais massivo, de 62 massas solares. Percebe-se então que as massas não se somam quando os buracos se fundem; há 3 massas solares “faltando” porque foram convertidas em energia: a própria energia das ondas gravitacionais. Trata-se de uma quantidade tão gigantesca de energia que é equivalente a que o Sol produz em 15 trilhões de anos.
Nesse sentido, as ondas gravitacionais mostravam que sua frequência sempre crescia. Em uma analogia ao som, que também é uma onda, quando os buracos negros ficam gradualmente mais próximos de fundirem, a frequência do som aumenta, alcançando um tom mais agudo, uma nota mais alta a cada momento. No final, esse aumento acontece tão velozmente que desaparece extremamente rápido. Isso é um chirp (escute um aqui http://www.ligo.org/science/GW-Overview/sounds/chirp40-1300Hz.wav). Um vídeo da NSF que mostra bem essa situação pode ser visto aqui https://www.youtube.com/watch?v=Zt8Z_uzG71o.

Figura 8. Os dados reais recebidos pelo LIGO de suas duas localidades. Nota-se como são semelhantes e como se encaixam quase perfeitamente com o esperado pela Teoria da Relatividade Geral. Na primeira comparação, mostra-se os sinais recebidos; na segunda, os sinais são comparados a dados numéricos da relatividade; na terceira, são os resíduos após a filtragem da forma de onda numérica da relatividade; e a quarta é uma representação de frequência versus tempo, evidenciando que a frequência cresce com o tempo. Crédito: B. P. Abbott et al.
É imprescindível ressaltar ainda que, como as simulações de acordo com a RG de Einstein concordavam amplamente com os sinais captados, o Advanced LIGO, além de constatar as ondas gravitacionais, provou também, finalmente, a existência de buracos negros, dissera Stephen Hawking. Fatos suficientes para provocar uma revolução na Física e na Astronomia - por nos permitir ouvir aquilo que não podíamos ver - e certamente um prêmio Nobel aos autores.
Antes apenas uma teoria, agora realidade. Com as ondas gravitacionais, será possível analisar o que a luz não permite, uma vez que essas ondas não podem ser bloqueadas, são características do tecido do espaço-tempo. Elas “entram” onde a luz não consegue. Uma nova ciência surge e a humanidade mais uma vez caminha para evolução científica e tecnológica. Todavia, as implicações estão além do nosso entendimento de Universo atual, o que faz muitos se perguntarem qual a relevância de descobertas como essa que, aparentemente, não possuem aplicações práticas. Uma primeira resposta seria que, embora neste momento não se pense em algo prático, isso não impede que em anos seguintes o encontremos. Por exemplo, tem-se o laser. Quando foi criado, em 1960, as pessoas argumentavam que não haveriam aplicações e, claro, elas estavam erradas. Lasers estão em todo lugar hoje em dia, das indústrias às nossas casas.
Uma segunda ideia seria que se estuda ondas gravitacionais por querer entendê-las! O que é importante em uma época em que não se sabe ainda nem como surgimos ou como acabaremos. Fazer Ciência é tentar entender melhor o nosso redor para entendermos melhor a nós mesmos. Os observatórios de ondas gravitacionais do futuro terão a capacidade de explorar as mais exóticas características dos buracos negros, que, segundo alguns estudiosos, são atores do grande teatro cósmico desde o início dos tempos, o que pode dizer mais sobre a evolução das galáxias, estrelas e da própria gravidade. Eventualmente, poderemos observar as ondas do Big Bang, o que seria a chave principal para descriptografar o nascimento do universo e até a possibilidade de outros universos.
A terceira e última resposta seria que essa conquista é um grande exemplo do que os seres humanos são capazes quando pensam positivamente. Enquanto a relatividade foi fundamentalmente um resultado alcançado por um único ser humano (Einstein), a detecção de ondas gravitacionais é um triunfo do trabalho em equipe, em que cientistas e engenheiros, de diversas nações e culturas, trabalharam juntos por um bem maior. Essa descoberta, portanto, tem um enorme potencial de inspirar as pessoas a, juntas, construírem um futuro melhor, por mais utópica ou ingênua que essa ideia pareça a cada dia.
Referências:
Observation of Gravitational Waves from a Binary Black Hole Merger. B. P. Abbott et al. LIGO Scientific Collaboration and Virgo Collaboration. PHYSICAL REVIEW LETTERS, 11 de fevereiro de 2016.
Einstein's gravitational waves found at last. Davide Castelvecchi & Alexandra Witze. Nature. Disponível em http://www.nature.com/news/einstein-s-gravitational-waves-found-at-last-1.19361. Acesso em 11 de fevereiro de 2016.
LIGO - A Gravitational-Wave Interferometer. Disponível em https://www.ligo.caltech.edu/page/ligo-gw-interferometer. Acesso em 24 de fevereiro de 2016.
Pegando Onda no Universo. Luiza Donatelli. [Editorial]. Veja, ed. 2465, n.7, p. 52–61. Fevereiro, 2016.
Cientistas brasileiros na equipe que encontrou as ondas gravitacionais de Einstein. Cláudia Fusco. Galileu. Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2016/02/cientistas-brasileiros-na-equipe-que-encontrou-ondas-gravitacionais-de-einstein.html. Acesso em: fevereiro 2016.
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