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Buracos Negros: Uma Breve História

Stephen Hawking publicou uma nova teoria para explicar o paradoxo dos buracos negros e, para entendê-la, é preciso de uma breve história, mas de personagens complexos, como Newton, a relatividade geral, a física quântica e até a teoria das cordas.


Por Emilly Rennale Freitas de Melo


Figura 1. Ilustração de um buraco negro supermassivo no centro de uma galáxia.NASA/JPL-Caltech.

Em janeiro deste ano (2016), o físico Stephen Hawking juntamente com seus colegas, Malcon Perry e Andrew Strominger, publicaram uma nova teoria sobre buracos negros que promete solucionar um dos maiores paradoxos da Ciência: se buracos negros podem destruir informações do Universo. De acordo com Hawking e seus colabodores, a resposta pode ser não, caso seja dado ao buraco negro um pouco de cabelo .

Para entender melhor sobre essa nova teoria é preciso conhecer brevemente a história desses objetos astronômicos misteriosos. Ela começa em 1783 com um geologista de Cambridge, John Michell, que apresentou um argumento baseado na teoria da gravidade de Isaac Newton, o fenômeno que se alguém lançar uma partícula, como uma bola de canhão, verticalmente para cima, sua subida seria lentamente parada pela gravidade e a partícula cessaria seu movimento para cima e iria cair. Entretanto, se a velocidade inicial de lançamento for maior que um valor crítico chamado velocidade de escape, a gravidade nunca seria forte o suficiente para parar a partícula e esta conseguiria se libertar. A velocidade de escape da Terra é cerca de 12 quilômetros por segundo e 618 quilômetros por segundo para o Sol.

Ambas essas velocidades de escape são bem altas para uma bola de canhão, mas são muito pequenas quando comparadas com a velocidade da luz - 300 000 quilômetros por segundo. Assim, a luz consegue escapar da Terra ou do Sol facilmente. Contudo, Michell afirmou que poderiam existir estrelas muito mais massivas que o Sol, cujas velocidades de escape seriam maiores que a velocidade da luz. Não seria possível para nós vermos essas estrelas porque qualquer luz que elas emitissem seria puxada pela sua própria gravidade. Essas seriam o que Michell denominou “estrelas escuras”.

   Figura 2. Luz fugindo de uma estrela.                 Luz presa por uma estrela massiva.     

As estrelas escuras de Michell, uma vez formadas pela física Newtoniana, na qual o tempo é absoluto e unidirecional, tomaram uma forma bastante diferente a partir das revoluções científicas do século XX, quando pela teoria da relatividade geral corpos massivos são capazes de curvar o espaço-tempo.

Em 1916, pouco depois da publicação por Einstein de suas complexas equações da Teoria da Relatividade Geral (as quais nem mesmo o próprio Einstein conseguiu resolver completamente), um astrônomo alemão, Karl Schwarzschild mostrou que a solução para as equações de campo da relatividade geral era representada por um buraco negro, um objeto massivo compactado em um único ponto que deformaria o espaço ao seu redor de tal forma que nem mesmo a luz poderia escapar. A luz conseguiria apenas fugir um objeto de Schwarzschild se estivesse fora de um raio particular, chamado Raio de Schwarzschild. Como a luz é a nossa única informação e, a princípio, nada viaja mais rápido que a luz, o Raio de Schwarzschild é um limite para nossas informações, um limite de conhecimento - por esse motivo, o limiar determinado por esse limite é chamado de “horizonte de eventos”. Além dele, pode-se sair livremente da vizinhança de um buraco negro.

O que Schwarzschild descobriu não foi entendido ou teve sua importância reconhecida por muitos anos. Até mesmo Einstein nunca acreditou em buracos negros e sua atitude era compartilhada pela maioria da velha guarda da relatividade geral. Levou-se um entendimento muito maior sobre a vida das estrelas para que os buracos negros fossem levados a sério. Uma estrela somente funciona em virtude da preservação de um delicado balanço entre a gravidade, que constantemente tenta puxar sua massa para o centro, e a fornalha nuclear em seu interior, que exerce pressão para fora.

Figura 3.

Para estrelas massivas, as conhecidas como supergigantes, chega-se a um momento em que o seu combustível acaba e a fusão no núcleo cessa. O ferro é o elemento menos energético de todos, a partir dele a fusão no núcleo não mais produz energia, mas sim absorve. Depois de 10 milhões de anos queimando apenas hidrogênio, mais 950 mil anos queimando hélio, 300 anos queimando carbono, seis meses queimando oxigênio e dois dias fazendo o silício virar ferro. As pressões e temperaturas tornam-se absurdas e, com o núcleo de ferro se compactando, é deflagrada a crise: os átomos de ferro se fundem em cobalto e níquel, e começam a absorver a pouca energia que ainda se produz. Em alguns milissegundos, a estrela desaba sobre si mesma e a pressão cresce numa velocidade inigualável. Chega-se ao limite da repulsão eletrônica das anãs brancas - quando os átomos estão tão próximos que geram uma força mecânica quântica de pressão eletrônica de degeneração. A concentração para bruscamente. A matéria que caía ricocheteia no novo núcleo rígido. Uma onda de choque destrói toda a estrela em poucos segundos: uma Supernova. Todos os diversos elementos pesados se espalham na explosão. Ainda nela, elementos ainda mais pesados (até o urânio) são produzidos. É a maior contribuição para o enriquecimento químico do Universo.

Com uma explosão desse nível, nem a pressão de repulsão dos elétrons é suficiente para segurar o colapso do núcleo. Os elétrons são lançados para dentro dos núcleos, fundindo-se com prótons, formando nêutrons. No processo, neutrinos são liberados e levam embora a quantidade de movimento dos elétrons, o que acelera ainda mais a explosão da supernova. Como a repulsão dos nêutrons é menor, torna-se possível que o núcleo estabilize com um raio menor - cerca de 20 km! Trata-se de uma Estrela de Nêutrons, as quais foram descritas pelo físico indiano Subrahmanyan Chandrasekhar, em 1930. Apesar disso, o físico Robert Oppenheimer descobriu que uma estrela de massa ainda maior seria capaz de superar a enorme pressão, permitindo a gravidade ganhar e concentrar toda a massa em um único local de tamanho zero e densidade infinita - a singularidade . Dessa forma, os cientistas lentamente começaram a aceitar que esses objetos eram mais que meras soluções matemáticas para as equações da relatividade geral; eles existiam. Em 1967, o físico John Wheeler usou o terno “buraco negro” para descrevê-los em uma palestra pública e, desde então, esse nome tem prevalecido.

Figura 4. No diagrama de tempo versus distância do centro, ao passo que a estrela encolhe, os caminhos dos raios de luz de sua superfície irão ter ângulos cada vez menores com relação à vertical. Quando a estrela atinge um raio crítico, o caminho será vertical no diagrama, o que significa que a luz irá ficar a uma distância constante do centro da estrela, nunca conseguindo se libertar. O horizonte de eventos é, portanto, o limite do espaço-tempo que separa a região que a luz consegue escapar daquela que ela não consegue.

Não obstante os avanços até o momento, novas constatações surgiam tornando os buracos negros objetos cada vez mais estranhos. Uma delas era o fato de que, como um buraco negro de determinada massa e taxa de rotação pode ser formado por uma grande variedade de partículas, concluiu-se que esse não depende da natureza do corpo que colapsou para formá-lo. John Wheeler chamou esse resultado de “um buraco negro não tem cabelo”. Com isso, Wheeler queria dizer que, exceto algumas características distintivas - massa, carga e a velocidade de rotação -, todos os buracos negros são iguais. Outro caso foi em 1974, quando Stephen Hawking fez sua descoberta mais famosa: buracos negros podem emitir radiação.

Essa informação veio da teoria quântica que afirma que os campos não podem ter valor zero nem mesmo no vácuo, pois, em caso contrário, eles teriam tanto a posição quanto sua velocidade com valor determinado zero, o que viola o princípio da incerteza, o qual diz que posição e velocidade não podem ser bem definidas simultaneamente. Assim, todos os campos possuiriam algo chamado de flutuações de vácuo, que podem ser interpretadas como pares de partículas virtuais (não podem ser observadas diretamente, mas podem ser medidas) que se encontram em um local do espaço-tempo, separam-se e depois voltam a se unir, aniquilando-se uma a outra.

A partir disso, Hawking concluiu que se uma partícula e sua antipartícula aparecessem no limite do horizonte de eventos de um buraco negro, essas duas partículas iriam aniquilar-se e liberar energia para o Universo. Mas, se uma partícula do par fosse presa pelo buraco negro, a outra iria ser arremessada para fora e, como informação nunca é transmitida de graça, a partícula expulsa iria carregar parte da energia do buraco negro consigo, paulatinamente diminuindo a força deste. Dado determinado tempo, o buraco negro teria evaporado. Hawking afirmou que caso alguém ficasse olhando para o buraco negro veria o efeito cumulativo da separação dessas partículas virtuais que ocorrem a toda a volta do horizonte de eventos como um fluxo contínuo de radiação emitida. Os buracos negros não são totalmente negros, dissera ele, mas sim brilhavam.

Esse fenômeno introduziu um dilema sobre o que ocorre com a partícula que caiu no buraco negro. De acordo com as leis da mecânica quântica, a informação sobre uma partícula nunca pode ser eliminada. Enquanto pela relatividade geral, a informação que entra no horizonte de eventos é completamente destruída. Assim, uma vez que uma partícula ultrapassa o horizonte, como não se espera da qual escapou que esteja relacionada com a que caiu no buraco negro ou que carregue informação sobre a outra, a única resposta encontrada por Hawking, por mais de 30 anos, foi que a informação daquilo que entra na singularidade é perdida, mesmo que isso fosse contra a mecânica quântica. Entretanto, em 1996, Andrew Strominger e Cumrun Vafa fizeram avanços importantes no campo da teoria das cordas, em que um buraco negro seria feito de blocos chamados p-branes - uma membrana que tem o comprimento em p direções; p=1, seria uma corda, p=2, uma superfície, por exemplo.

Uma maneira de pensar sobre p-branes é imaginá-las como folhas de papel que se movem em três dimensões do espaço e mais sete dimensões extras que não conhecemos. Em certos casos, pode-se mostrar que o número de ondas numa p-brane é o mesmo que a quantidade de informação que se esperaria de um buraco negro; suas vibrações seriam semelhantes (ver figura 5). No modelo das p-branes, a informação que cairia num buraco negro seria então armazenada na função de onda das p-branes. Essas, como folhas em um espaço-tempo plano, permitiriam o tempo a seguir “para frente”, os caminhos dos raios de luz não se curvariam e a informação das ondas não se perderia, mas na verdade, a informação eventualmente vazaria dos buracos negros na forma de radiação. Assim, em 2004, Hawking admitiu que estivera errado e que a informação poderia ser conservada.


Figura 5. Uma partícula caindo em um buraco negro irá excitar ondas na p-brane, até que as ondas se juntam e parte da p-brane se rompe como uma corda fechada, a qual seria a partícula emitida pelo buraco negro.

Embora essa conclusão fosse aceita, seu resultado levou a outro questionamento. A partícula e a antipartícula em consideração são quanticamente emaranhadas, o que significa que suas propriedades estão sempre ligadas. O físico teórico Joseph Polchinski mostrou em 2012 que, para tudo aquilo que se sabia sobre buracos negros fosse verdade, o emaranhamento quântico deveria ser rompido. E um processo como esse seria possível, mas violento. Desemaranhar as partículas gêmeas iria gerar uma enorme quantidade de energia no horizonte de eventos do buraco negro. Essa energia formaria uma parede de fogo, uma firewall , ao redor do buraco negro, incinerando tudo que se aproximasse.

Contudo, nem toda a comunidade física acredita ainda na firewall, pois admiti-la seria algo contra a relatividade de Einstein, pela qual, caso um astronauta caisse dentro de um buraco negro, não sentiria nada particularmente diferente ao cruzar o horizonte de eventos - o princípio da equivalência. Mais uma vez encontrava-se o dilema de relatividade versus mecânica quântica. Na primeira, a informação se perde, na segunda, não.

Com relação a isso, em 2014, Stephen Hawking sugeriu que buracos negros não possuiriam horizontes de eventos e, portanto, a informação não era destruída. “A ausência de um horizonte de eventos significa que os buracos negros não existem, no sentido de algo que a luz não pode escapar”, dissera Hawking em sua publicação. Dessa forma, Hawking propôs que os buracos negros possuem “horizontes aparentes”, os quais apenas temporariamente prendem matéria e energia que podem reemergir como radiação, que possui toda a informação original sobre o que caiu no buraco negro, não obstante em uma forma completamente diferente. Já que a informação de saída é “misturada”, Hawking concluiu que não existe maneira prática de reconstruir algo que caiu com base no que sai. A mistura ocorreria porque a natureza do horizonte aparente é caótica. O conceito é bastante estranho inclusive para os físicos, mas ao menos permitiu aos cientistas ignorar o horizonte de eventos, a firewall e os problemas que esses teriam com a relatividade de Einstein.

Finalmente, é o momento de falar sobre o objetivo principal de toda essa discussão, o estudo mais recente sobre buracos negros, apresentado no último artigo lançado por Hawking. Embora o conceito de horizontes aparentes, o grande paradoxo em questão ainda girava em torno da informação que se pode obter de uma partícula que cai num buraco negro, a qual, mesmo não sendo destruída, não seria útil para defini-lo. Em seu novo trabalho, Hawking e seus colegas argumentam que quando uma partícula carregada é sugada por um buraco negro, sua informação deixa um rastro, uma impressão para trás. As informações estariam fora, e não dentro do buraco.

O artigo garante que, ao contrário do que dissera John Wheels, os buracos negros têm cabelo - suaves e elétricos - os quais seriam pequenas alterações no vácuo nas proximidades exteriores do horizonte de eventos. Como energia, cargas elétricas não podem ser criadas ou destruídas e, como carga tem que ser conservada no Universo, Hawking e os co-autores apresentaram que partículas carregadas ao cruzar o horizonte de eventos podem deixar traços de si mesmas no espaço na forma de partículas de luz chamadas soft photons (fótons suaves), os quais não têm energia. Esses fótons bizarros alteram o vácuo do espaço-tempo e o permite que preserve a informação de suas partículas originais, influenciando na radiação que é emitida pelo buraco negro.

Quando as partículas carregadas são ejetadas da fronteira, elas carregam as informações do horizonte de eventos -as impressões- de volta para o Universo. A informação não seria perdida pois não cairia no buraco negro, o que agrada tanto a teoria quântica como a relatividade de Einstein. Enfim.

Ninguém reportou, até o momento, algum erro nos cálculos do artigo, mas questionamentos surgiram na comunidade científica, dado que a teoria ainda é incompleta. A publicação não explica, por exemplo, como os cabelos, que desapareceriam junto com o buraco negro uma vez evaporado, iriam transferir a informação para a radiação restante. Apesar disso, sabe-se que o novo estudo providenciou ferramentas interessantes e concretas para uma futura descrição mais profunda desse desafio em aberto que os buracos negros gostam de ser.




Referências: 

Soft hair on black holes. Stephen W. Hawking, Malcolm J. Perry e Andrew Strominger. DAMTP, Centre for Mathematical Sciences, University of Cambridge, Cambridge, CB30WA UK ∗ Center for the Fundamental Laws of Nature, Harvard University, Cambridge, MA02138, USA. 5 de janeiro de 2016.

The Universe in a Nutshell. Stephen Hawking. Bantam Press, 2001.

O Universo Elegante. Brian Greene. Companhia das Letras, 2010.

Curso de Astronomia Geral, volume IV: Astrofísica. Corpo de Criação e Desenvolvimento da Olipíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica. Outubro, 2011.

Hawking timeline: A brief history of black holes. Jacob Aron. Disponível em https://www.newscientist.com/article/dn24956-hawking-timeline-a-brief-history-of-black-holes/. Acesso 8 de fevereiro de 2016.






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