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Além do Terror

Na sexta-feira 13 de novembro de 2015 ecoa a Marselhesa.



“As democracias ocidentais vivem uma esquizofrenia”, diz o cientista político Christophe Ventura, professor do Centro de Estudos Europeus da Universidade de Paris Oito e pesquisador do Instituto de Estudos Geopolíticos Estratégicos de Paris. O terrorismo não é novidade, mas suas, cada vez mais frequentes e mais violentas, ações levam a questionar o futuro da democracia. Os ataques a Paris em novembro deste ano mostram que muito além do que reforços na segurança ou bombardeios devem ser feitos. O crescimento do terror é uma realidade complexa, cujas causas ultrapassam ideologias e religiões.

Em discurso apenas três dias após os atentados do dia 13 de novembro em Paris reivindicados pelo Estado Islâmico (EI), que deixou ao menos 129 mortos e centenas de feridos, o presidente francês, François Hollande, pediu uma resolução do Conselho de Segurança da ONU contra o terrorismo e solicitou uma reforma constitucional para combater as ameaças extremistas: regime prolongado de excessão, ampliação de poderes de repressão, controle de fronteiras, direito de repatriação de exilados e de supressão da cidadania francesa e, sobretudo, fim da política de cortes orçamentários para serviços de segurança, os quais, ao contrário, serão reforçados.

Figura 1 - Fraçois Hollande discursa em sessão especial no Palácio de Versalhes (PHILIPPE WOJAZER / REUTERS).

“Nossa democracia já triunfou antes sobre adversários muito mais formidáveis do que esses covardes”, disse Hollande. Desde a Revolução Francesa até a Segunda Guerra mundial, muitas batalhas foram travadas em nome da democracia, sendo a França de um poder simbólico incomparável. A igualdade, a paz e a fraternidade que levou à queda da Bastilha em 1789 é o mesmo lema que faz da França o berço dos ideais ocidentais. Por isso é tão “pertinente” atacar Paris.

Não obstante, a cidade da luz também representa uma ambiguidade do padrão ocidental que se mostra gradualmente mais insustentável. Esta ambiguidade faz parte da esquizofrenia de que a democracia não é para todos. Os princípios que levaram ao progresso da humanidade no ocidente ao mesmo tempo levaram à exploração, à opressão e às práticas bélicas em países com recursos naturais importantes sem que houvessem consequências para os chamados imperialistas. Tinha-se uma política externa ofensiva e destrutiva ao mesmo tempo que uma esquizofrenia interna como se as duas situações não fossem ligadas. Hoje em dia, é visível como uma tem consequência sobre a outra.

Atualmente, a França substitui os Estados Unidos na parceria com países do Golfo Pérsico, vendendo armas à Arábia Saudita por interesses na região do Oriente Médio, como o petróleo. Todavia, a própria Arábia Saudita é um dos principais financiadores do terrorismo internacional. Trata-se de uma política externa sem coerência que criou seus próprios monstros.

Figura 2 - Pessoas acendem velas em memorial na Praça da República, em 17 de Novembro de 2015, Paris. (Pierre Suu—Getty Images).

Monstros esses nem sempre estrangeiros. Por um dedo cortado, a polícia francesa chegou à identidade de um dos terroristas que acionou a bomba no Bataclan e matou 89 pessoas. Omar Mostefai, francês, de 29 anos, oriundo das áreas periféricas de Paris - regiões povoadas de imigrantes da África Ocidental, tratados como subclasse e acostumados à desesperança- que contrastam com o centro da cidade mais visitada do mundo.

O Terrorismo é injustificável. Mas é preciso tentar explicá-lo se desejamos combatê-lo. A questão está em perceber como o Estado Islâmico entendeu que explorar a segregação social é um meio poderoso na obtenção de novos “membros-utensílios”. Os utensílios , como dizia Octavio Paz, diplomata e Nobel de Literatura, nunca são misteriosos, enigmáticos. Utensílios não têm uma história. São meras alavancas para um fim. São apanhados e descartados. “Cooptados, esses jovens matam outros jovens barbaramente. Não percebem que reproduzem cruelmente uma lógica labiríntica: querem deixar de ser utensílios, se tornando utensílios a serviço da morte de outros utensílios. O Terror reifica o que toca.”, comenta o professor Marcelo Tavares, Bacharel em História pela UFRJ, Mestre em Ciência Política pelo IUPERJ e Doutorando em Ciência Política pelo IESP-UERJ.

Na Síria, onde insiste em montar um estado, um governo (ou califado) o EI tem uma estrutura muito bem planejada para o recrutamento de jovens membros, inclusive crianças. O EI chega a abrir parques de diversão para atrair os jovens, prometendo sentido à vida de indivíduos ávidos para serem humanizados, percebidos, notados. Assim que consegue cooptá-los, automaticamente os transforma naquilo que eles querem deixar de ser: utensílios de uma guerra que abala os valores ocidentais mais fundacionais.

Figura 3 - Estado Islâmico inaugurou dois novos parques de diversões em Fallujah e Raqqa.

Apesar de tudo, devemos compreender que o terrorismo e o Estado Islâmico não são ameaças existenciais para o Ocidente. A situação consiste em um “fardo” que deve ser tratado com equilíbrio entre as liberdades civis e sociais contra a paranoia e obsessão por segurança. Desde 2001, cresceu por parte de governos a tolerância a práticas de prisões arbitrárias e torturas por agentes americanos e europeus em nome do combate ao terror. A segurança mudou bastante nos últimos anos para lidar com algo que não é mais o front de guerra, mas sim a batalha no dia a dia, entre as pessoas.

Devemos aceitar também que ataques como os em Paris não foram os últimos. É um fato para as cidades do ocidente a crescente possibilidade de atentados, os quais têm se tornado mais sofisticados. Os terroristas do EI usam um sistema de codificação de ponta a ponta, o que significa que estão utilizando novas tecnologias para mandar mensagens completamente encriptadas, de modo a ser impossível de decodificá-las, desde por agências como a CIA (Central Intelligence Agency, EUA) até a NSA (National Security Agency, EUA). As novas tecnologias e a capacidade deles de utilizá-las são um desafio e uma realidade.

Nesse sentido, poderia-se perguntar “por que não destruir o EI, já que a qualquer momento bastaria mandar tropas para a Síria?”. A resposta é que isso não resolveria a situação. Existem milhões de pessoas naquela região que precisam de um governo decente para reconstruir suas sociedades, o que é no mínimo complicado para as nações ocidentais promoverem. A solução inteligente, dizem estudiosos, é, primeiramente, manter o que já está sendo feito ao conter, aos poucos e militarmente, o EI, que está perdendo territórios e, por isso, age desesperadamente com ataques exacerbados como os de Paris; e em segundo, adotar uma estratégia política de longo prazo, afinal, o terrorismo é um método político violento e, cedo ou tarde, deve ser tratado com aspectos políticos mais do que meramente medidas de segurança e bombardeios militares.

O Terror em Paris mexe com o intrínseco das pessoas não “apenas” pelos atentados à vida, mas também a tudo aquilo que defendemos hoje como sociedade, resultado das lutas travadas naquelas ruas contra o absolutismo e a desigualdade. Como afirmou o professor Tavares, “o Terror, ao lado da injustiça social, da corrupção, da intolerância e da reificação do próximo são novos (novos?) estandartes ensaguentados da tirania que se erguem contra nós”.

Marchemos.


Emilly Rennale Freitas de Melo

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A convite do Jornal PET Elétrica, a engenheira eletricista Rachel Suassuna de Medeiros escreveu sobre a turma de 1973, da então Escola Politécnica da UFPB. Confira!




O Professor Dr. Marcelo Sampaio de Alencar destaca, em seu texto, as finalidades do Iecom, as pesquisas, as parcerias e os projetos nos quais está envolvido. Confira!




          









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