Células Fotovoltaicas: uma opção não tão limpa
Diante de tantas dificuldades na matriz energética brasileira, surge o interesse por novas opções. Porém, alguns fatores devem ser levados em consideração.
Diante da crise energética pela qual o Brasil, muito se fala sobre opções de energias mais “limpas” e nos perguntamos por que não existe mais investimento nessa área. Assim, surgem nomes como energia eólica, nuclear, solar, etc. Contudo, essas energias “verdes” nem sempre possuem um custo-benefício aceitável para a natureza.
O Brasil tem um alto potencial de aproveitamento da energia solar, assim surge o questionamento sobre o não emprego desse tipo de energia em regiões favoráveis, como o Nordeste, e se critica os órgãos responsáveis por não fazerem nada a respeito. Todavia, o que muitos não sabem é que existe um custo para a natureza e um alto risco para a saúde das pessoas que fazem parte do processo de produção das células fotovoltaicas.
Partindo do princípio, basicamente a maioria das células são produzidas com um composto elementar encontrado na natureza, o quartzo, que é a forma mais comum de sílica. Nas minas onde esse elemento pode ser encontrado, os mineiros ficam confinados em ambientes fechados, aumentando a possibilidade de contraírem silicose, uma doença que não possui tratamento efetivo, somente para seus sintomas, e que pode ter como consequência o câncer (primeira consequência da produção). Esse composto é passado por um processo de refinamento que é dividido em duas etapas: na primeira, existe um grande consumo de energia e geração de dióxido de carbono e dióxido de enxofre, em pequenas quantidades; na segunda parte, tem-se como produto o tetracloreto de silício que é uma substância nociva ao ser humano. Este último composto é um produto indesejável do processo de refinamento, o objetivo principal é a obtenção de um polímero à base de silício, assim, com um processo de reaproveitamento, o tetracloreto é submetido a um refinamento para que se obtenha mais polímero a partir dele. Contudo, a máquina para fazer tal processo é extremamente cara, na faixa das dezenas de milhões de dólares, e como muitas fábricas não têm condições de adquiri-la, ocorre um despejo indevido desse lixo (segunda consequência da produção).
No começo da utilização da energia solar por meio de placas fotovoltaicas, era possível utilizar os descartes das empresas que fabricavam chips, evitando assim a necessidade de abrirem mais minas para a extração do quartzo. Entretanto, a popularidade dessa tecnologia cresceu muito rápido, principalmente em países com uma matriz energética muito limitada. Juntamente com a popularidade, as pesquisas na área de semicondutores avançaram e tiveram implicações na produção de silício, tornando necessário uma extração e um refinamento específicos para a produção de células fotovoltaicas. Com esses fatores, aumentou mais ainda o impacto ao meio ambiente. O acúmulo dos descartes das fábricas foi ficando cada vez maior e muitos países não conseguiram acompanhar, ficando sem normas para o lixo produzido. Isso gerou sérios problemas para habitantes de diversos países, como a China, onde repórteres descobriram que uma indústria despejava seus resíduos perto de zonas populacionais, ocasionando inúmeros casos de infecção por substâncias tóxicas. Com a divulgação desse fato, ocorreu uma pressão por parte da população chinesa, resultando em uma lei que obriga todas as fábricas desse ramo a reciclarem 98.8% do lixo produzido.
Ainda no processo de produção da placa, existe a necessidade de se utilizar o ácido fluorídrico, para que o substrato receba melhor a luz. Com essa utilização veio outro problema, como descartar o ácido. Isso gerou outro incidente na China, quando uma empresa ao jogar o ácido no rio, provocava a morte dos peixes e de porcos que bebiam essa água.
Por todos esses motivos, existe um grande investimento em pesquisa para o desenvolvimento de novos métodos para a produção das células fotovoltaicas. Um deles é o thin-film solar-cell. Esse método possui como vantagem um consumo menor de energia e de matéria-prima. Ele basicamente consiste em utilizar camadas do material semicondutor depositadas diretamente no substrato de vidro, metal ou plástico. Assim, produzindo menos lixo e sem necessitar de todo aquele tratamento com substâncias tóxicas.
Apesar de evitar todo o tratamento com ácidos e outras substâncias nocivas a organismos vivos, o thin-film utiliza telureto de cádmio. Já uma opção mais recente, o copper índium gallium selenide (CIGS), necessita da utilização de metais pesados. A diferença de um para o outro é o método de produção. Para se fabricar uma placa é necessária a utilização de duas camadas para obter o efeito fotovoltaico, quando se utiliza o telureto de cádmio, o mesmo é colocado na primeira camada e na segunda fica o sulfeto de cádmio; enquanto no CIGS, substitui-se somente o telureto, o sulfeto continua sendo usado. O grande problema desses métodos é a obtenção de cádmio, que vem das minas de zinco, onde também há questões de perigo à saúde humana. Nesse sentido, a Universidade de Bath, na Inglaterra, e a Universidade da Califórnia, em Berkley, estão realizando pesquisas para tentar substituir tais metais.
Ainda existem mais dois agravantes no processo de fabricação: a poluição por dióxido de carbono e o consumo elevado de água. Pesquisas feitas em Illinois, EUA, no Argonne National Laboratory e Northwestern University, mostraram que a emissão de dióxido de carbono no processo de fabricação da células pode chegar a não ter benefício algum esperado. No estudo, foi comprovado que as placas fabricadas e utilizadas na China não trazem benefício para a natureza, já que a quantidade de poluentes para a fabricação é tão elevada que os benefícios acabam não sendo percebidos. Porém, existe a seguinte hipótese: caso uma placa que foi fabricada na China seja utilizada na Europa, isso gerará um déficit na China, pois ela só ficaria com o dióxido de carbono acumulado, enquanto a Europa teria energia elétrica de uma forma “limpa”. Em relação à água, na geração de 230-550 megawatts, por exemplo, são consumidos 1,5 bilhões de litros de água no controle de poeira e em outros processos químicos na fabricação. Mesmo assim, a quantidade de água ainda é menor que a consumida para esfriar termoelétricas.
Além de todos os problemas já mencionados acima com a produção das placas fotovoltaicas, ainda há a questão financeira, uma vez que é um investimento bastante elevado, com um retorno muito lento.
Portanto, a conversão de energia solar em elétrica não é uma alternativa muito “verde”, pois é gerada muita poluição no decorrer da produção dos aparelhos necessários para realizar tal conversão. Apesar disso, ela não deixa de ser um opção para a diversificação da matriz energética de um país, contudo se faz necessário um estudo e uma pesquisa detalhada no momento de optar pela compra da célula fotovoltaica, pois é de extrema importância saber como a mesma foi fabricada e como os resíduos gerados em sua produção foram descartados. Espera-se que em alguns anos, após uma quantidade de investimento considerável, a única variável a ser considerada no momento da compra e instalação de um placa fotovoltaica seja quanto ela custa.
Saul Borges Nobre
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