O Cientista da Eletricidade, do Magnetismo e da Luz
A tecnologia alcança todos os dias patamares outrora inimagináveis. Criamos e usufruímos do bom e do melhor, sem ter noção de onde essas ideias vieram. Ou até podemos saber de fórmulas e métodos, mas sabemos de fato algo sobre a Ciência criadora deles? No século XIX, na Inglaterra, um homem sabia mais do que muitos desenvolvedores de hoje. Seu nome, Michael Faraday.
Dos vídeos que assistimos, às fotos que tiramos, às músicas que escutamos, àquela pessoa a milhares de quilômetros de distância com quem conversamos, fazem-se presentes instantaneamente, bastando ligar qualquer aparelho em que sua imagem e sons possam ser transmitidos. Poucos séculos atrás, nossas mensagens viajavam tão velozes quanto o mais rápido cavalo ou quanto navios à mercê dos ventos. Hoje, a velocidade de comunicação é a velocidade da luz. Como isso é possível? Tudo começou na mente de uma pessoa. De uma infância de pobreza, de que ninguém esperava algo.
Na verdade, se não fosse por este homem, o mundo que conhecemos poderia não existir hoje. Claro que, cedo ou tarde, provavelmente alguém iria fazer algumas de suas descobertas. Mas se Michael Faraday nunca tivesse nascido, ainda poderíamos estar vivendo como nossos ancestrais do século XVIII. Sem termos ideia das forças invisíveis que nos rodeiam e no que podíamos ter a partir delas. Essa é a história de como aprendemos que os elétrons fizessem tudo aquilo que precisamos.
De certo modo, ela começa com um dos maiores cientistas de todos os tempos, Isaac Newton. Ele que descobriu a fórmula que governa o movimento dos planetas ao redor do Sol, queria saber como este consegue mantê-los em movimento sem tocá-los. Outro gênio se questionou por outra face do mesmo mistério. Quando seu pai o mostrou que uma bússola sempre apontava para o Norte, mas se um ímã estivesse próximo o suficiente ela apontaria para qualquer outro lugar, Albert Einstein criança já se questionara que deveria existir algo “escondido” que era responsável pelo fato.
Mas entre os tempos destes dois gênios, outro de igual grandiosidade viveu e respondeu às dúvidas de Newton, além de dar a base para os pensamentos revolucionários de Einstein e para a sociedade atual.
Em 1791, em um quarto sujo de um subúrbio de Londres, Michael Faraday nasceu. Na infância, não demonstrou ir bem na escola e após um episódio em que, pela rigidez da época, uma professora tentou castigá-lo pela sua “imprudência” em resultados, sua mãe o retirou da escola e Faraday nunca voltou a frequentar salas de aula novamente.
Michael adotou a religiosidade no cristianismo como sua família e sempre teve em suas crenças grande fonte de esperança e humildade. Aos 13 anos, começou a trabalhar em uma casa de encadernação. Durante o dia, ele encadernava os livros, durante a noite, ele os lia. Foi quando começava seu amor pela eletricidade.
Após anos trabalhando na encadernação, aos 21, Michael ganhou um ingresso para uma das mais novas formas de entretenimento da época: Ciência para o público. No Royal Institute, em Londres, Humpry Davy era um dos grandes cientistas do momento, tinha descoberto diversos elementos químicos como sódio e cálcio, e era também um showman, usava de demonstrações primitivas da eletricidade como grande encantador do público. Contudo, Faraday estava muito ocupado tomando notas dos experimentos de Humpry para aplaudí-lo. Pelo que aprendeu em anos de trabalho, encadernou em um livro tudo que acontecia nas apresentações de Humpry e o deu como presente, a fim de chamar a atenção do grande homem.
Até que um dia, após um experimento explodir no rosto do renomado Humpry Davy, este finalmente lembrou-se do garoto Faraday e o contratou como um secretário temporário enquanto recuperava-se do acidente. Entretanto, Faraday fez-se indispensável a Davy e o emprego tornou-se permanente.
Em 1821, pouco após Hans Christian Ørsted ter descoberto o fenômeno do eletromagnetismo, Davy juntamente com outro cientista, William Hyde Wollaston, reproduziram o experimento de Ørsted e vendo suas infinitas implicações, tentaram, sem sucesso, girar a agulha continuamente.
Figura 1:Ørsted (direita) e seu assistente constataram que o campo magnético era afetado por corrente elétrica, defletindo a agulha de uma bússola.
A partir de então, este foi objetivo incansável de Faraday. Dedicando todo seu tempo livre, Faraday montou um experimento em que um fio de cobre ajustado em um suporte fora colocado verticalmente a um ímã mergulhado no centro de um recipiente com mercúrio, com o Norte voltado para cima. Ao se fazer passar corrente elétrica pelo fio, este girava continuamente ao redor do imã, no sentido anti-horário. Quando colocado o Sul para cima, girava no sentido horário. A explicação era que as forças do campo magnético geravam um torque ao redor do eixo de rotação e como o este eixo era paralelo ao campo magnético e campos magnéticos opostos não trocavam de polaridade, não era necessário comutação para que o fio continuasse em movimento. Foi o começo de uma revolução.
Figura 2: Exemplo do experimento do motor elétrico de Faraday, o primeiro que já existiu.
Imagine o que deriva desta simples experiência no laboratório de Faraday. De tudo presente das indústrias as nossas casas. Pense: um ventilador, uma geladeira, uma máquina de lavar roupas, até um carro, ônibus, tocadores de cds, furadeiras, robôs.
Faraday logo ficou bastante famoso, the toast of London. Com relação a Davy, que havia descoberto diversos elementos, começou-se a se dizer que sua grande descoberta havia sido Michael Faraday. Não tomando bem os recentes acontecimentos, Davy assegurou que Faraday não produziria nenhum feito no futuro próximo, mandando-o trabalhar em busca de uma fórmula que melhorasse o vidro óptico produzido na Inglaterra, algo que estava longe dos interesses – e conhecimentos - de Faraday. Mas ele o obedeceu e trabalhou arduamente em busca do que lhe foi incubido por anos, sem obter resultados desejáveis. Assumindo o fracasso, ele guardou um tijolo de vidro que fizera como souvenir.
Com a morte de Humpry Davy, Faraday finalmente parou de trabalhar com vidro e tornou-se Diretor do Laboratório. Com sua nova autoridade, criou as Christmas Lectures (Aulas Natalinas), começando em 1825, nas quais anualmente ministrava Ciência para os jovens, continuando até os dias de hoje, por pessoas como Julian Huxley, Carl Sagan, Richard Dawkins, Susan Greenfield e muitos outros.
Figura 3: Michael Faraday na Christmas Lecture em 1856.
Em suas primeiras lectures, Faraday fazia pequenas demonstrações de suas descobertas de eletricidade, mostrando como essa “força invisível” poderia deixar de ser somente um show, para realmente suprir as necessidades humanas. Apesar tantas ideias, Faraday nunca quis patentear ou obter lucro por elas.
Uma delas foi o gerador. Faraday conseguiu relacionar o movimento de ímãs à geração de corrente elétrica. Descoberta, que mais uma vez, seria capaz de mudar a vida de todos. A partir dela, a eletricidade poderia existir por demanda.
Aos 49 anos, Faraday começou a sofrer perdas de memória, com consequente depressão, época em que seu trabalho ficou estagnado. Embora não tenha se recuperado completamente, conseguiu ainda continuar e, tendo demonstrado a relação entre magnetismo e eletricidade, Faraday, que acreditava na unicidade da natureza, tentou ver se estas duas forças teriam relação com a luz. Para isto, desenvolveu um experimento.
Sabendo que a luz se dispersava na forma de ondas, ele usou da polarização para conseguir isolar um único tipo de onda de luz e testou se esta seria afetada por um campo magnético. Ele usou de um cristal que funcionava como um filtro que permitia a passagem de luz somente se esta fosse movida pelo campo magnético. É um evento complexo de se entender. Os próprios cientistas somente conseguiram o explicar cem anos depois.
A luz polarizada passando somente o ar não atravessava o cristal, isto é, não era afetada pelo campo. Assim ele tentou outros elementos, como diversos ácidos e gases e não obtia resultados. Em desespero, tentou o tijolo de vidro, o souvenir. Finalmente, a luz cruzou o cristal: a luz foi alterada pelo campo magnético.
Figura 4: Michael Faraday em seu experimento com luz polarizada influenciada por um campo magnético.
Com essa gigante conquista, que demonstrava que campos eletromagnéticos são capazes de modificar o comportamento da luz, Faraday ansiava por saber como estes três elementos se comportavam juntos - a eletricidade, o magnetismo e a luz. Desta forma, estudando os padrões deixados por limalhas de ferro na presença de um ímã, Faraday percebeu que aquilo não era apenas uma característica do ferro – como se achava na época – mas era algo presente sempre ao redor de um ímã, ou de uma corrente elétrica. Tais padrões, Faraday interpretou como sinais da existência de linhas de campo magnético.
Todavia, Faraday chegou em um momento em que seus pensamentos se tornaram muito para os cientistas da época acreditarem sem a linguagem que a Física Moderna entendia: as equações. Eles admiravam suas invenções e sua perspicácia com experimentos, mas muitos chegaram a ridicularizar suas ideias, as quais não tinham uma fundamentação matemática para consolidá-las. A infância pobre e a falta de educação formal realmente se tornaram algo que Faraday não conseguiu superar. Ele não conseguia desenvolver a teoria matemática de suas descobertas.
Nesse contexto, surgiu um dos maiores físicos teóricos do século XIX. Nascido em berço de ouro, James Clerk Maxwell teve toda a educação que sua rica família pôde providenciar. Aos 20 anos, era conhecido como um grande matemático e, ao contrário dos seus contemporâneos, que viam o trabalho de Faraday como ultrapassado, Maxwell começou a ler tudo que Faraday produziu sobre eletricidade e acreditou em suas ideias, decidindo dar precisão matemática a elas.
Uma equação em Física nada mais é que uma representação de algo que ocorre no espaço e no tempo. Quando Maxwell transformou as observações experimentais de Faraday em equações, ele observou uma assimetria e resolveu adicionar um termo a mais em uma delas. Termo este que mudava a natureza das linhas de campo magnético estático, as quais agora se perpetuavam no espaço como ondas, à velocidade da luz, uma vez que não somente variação de campo magnético gerava campo elétrico, mas que o contrário também era verdade.
Figura 5: James Maxwell e a forma diferencial de suas equações.
Com Maxwell, a luz passou a ser entendida como mais uma forma de radiação eletromagnética, unindo as teorias do Eletromagnetismo e da Óptica. Em outras palavras, revolucionando o planeta. O mundo passou a ser um organismo interconectado, em que ondas se tornaram nada mais que meios de transporte de informações à velocidade da luz.
Em uma das sociedades mais conservadoras que o mundo já teve, Michael Faraday saiu da pobreza para se tornar o cientista mais aclamado de seu tempo. Aos 40 anos, tinha inventado o motor elétrico, o transformador e o gerador, máquinas que mudaram tudo desde casas, fazendas e indústrias. Uniu a luz ao Eletromagnetismo e ainda fez questão de levar tudo isso às multidões de jovens, com as Christmas Lectures. Faraday, sem dúvidas, foi um homem à frente de seu tempo e, sobretudo, um homem da Ciência. Nunca satisfeito, sempre à procura de melhores respostas.
Vivemos voluntariamente acorrentados por métodos, provas, projetos, listas, prazos, esquecendo muitas vezes de ver o porquê das coisas que fazemos, das fórmulas que usamos. Em uma sociedade em constante modificação e inovação, em que a Ciência é a sua linguagem, entendê-la bem é essencial para obter êxito. Afinal, qual a Ciência por trás de tudo aquilo que achamos que sabemos?
Para saber mais, assista Cosmos, A spacetime Odyssey.
Emilly Rennale Freitas de Melo
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