Interfaces cérebro-máquina
Uma alternativa para o tratamento de deficiências físicas está se desenvolvendo cada vez mais, a utilização de interfaces cérebro-máquina.
O desejo de ter o conhecimento completo acerca do órgão mais misterioso do corpo humano, o cérebro, impulsionou estudos tanto na Medicina como na Engenharia, o que culminou no desenvolvimento de interfaces cérebro-máquina. A partir delas, o homem pode estudar métodos para recuperar uma atividade motora de uma pessoa com deficiência física. Essas interfaces consistem em um sistema de aquisição de dados que pode ser composto por quatro etapas: a recepção dos sinais cerebrais; a análise dos sinais recebidos, ou seja, as variações de tensão em uma determinada atividade cerebral; a realização de uma determinada ação gerada por um algoritmo computacional e o feedback desta para o cérebro em estudo.
Tem-se o conhecimento de três técnicas para realizar a recepção de sinais cerebrais: o eletroencefalograma (EEG), o uso de eletrodos implantados no córtex cerebral e o eletrocorticograma (ECoG). A primeira delas consiste na disposição de eletrodos sob o couro cabeludo, conforme pode ser visto na Figura 1, que estão conectados a um dispositivo para processar os sinais cerebrais. Esse método foi utilizado por Miguel Nicolelis no experimento em que uma macaca pôde controlar um braço robótico, com o auxílio de uma interface cérebro-máquina na Duke University nos Estados Unidos da América (EUA). O EEG é não invasivo, mas tanto o couro cabeludo como o crânio atenuam o sinal recebido.
Figura 1: Eletrodos de um eletroencefalograma
A implantação de eletrodos no córtex cerebral é uma técnica bastante invasiva, pois além de ter que realizar uma craniotomia, cirurgia para abertura do crânio, esses dispositivos são microchips, como é exibido na Figura 2. Sendo assim, seus terminais pontiagudos podem causar danos a alguma região do cérebro. Em compensação, o sinal cerebral recebido é submetido a uma pequena atenuação, que é maior quando as feridas causadas pelo implante começam a cicatrizar, e é enviado ao processador por meio de ondas de rádio, como no projeto “Walk Again Project” de Miguel Nicolelis, em que foi desenvolvido um exoesqueleto humano controlado pela atividade cerebral de um deficiente físico, que culminou no primeiro chute na bola da Copa do Mundo de 2014 no Brasil.
Figura 2: Eletrodo implantado no córtex cerebral
O ECoG consiste na disposição de eletrodos sob o córtex cerebral, assim como se pode observar na Figura 3. Essa técnica é a mais recente e vem sendo bastante aceitam, por ser menos invasiva do que a implantação de eletrodos, por abranger um maior registro da atividade cerebral e por possuir uma relação sinal-ruído (SNR – Signal-to-noise ratio) melhor do que a do EEG. Ela é utilizada nos experimentos do Hospital John Hopkins, na cidade de Baltimore, nos EUA, que serão abordados mais a frente.
Figura 3: Eletrodos de um eletrocorticograma
A análise dos sinais cerebrais recebidos é feita em dispositivos com processadores que suportem o software em que ela é feita, por exemplo, um computador. Com isso, os dados obtidos são utilizados em algoritmos computacionais, para que acontecendo certa atividade cerebral, uma ação correspondente ocorra em um dispositivo externo, como um braço robótico. Caso houvesse sensores táteis na mão robótica, assim que ela encostasse em algo, impulsos nervosos seriam gerados para estimular a região cerebral responsável por dar essa sensação ao ser humano.
Como já foi mencionado, experimentos com interface cérebro-máquina estão sendo realizados no Hospital John Hopkins, nos EUA. O diferencial dessa instituição é que neles são utilizados pacientes epiléticos que estão à espera da cirurgia para remover parte do tecido cerebral, com o intuito de amenizar a ocorrência de convulsões. Sendo assim, como eles já passaram pela craniotomia para que um ECoG monitorasse as zonas mais afetadas pelas convulsões, o estudo para o desenvolvimento da interface é bastante beneficiado, pois as atividades motoras desses pacientes permanecem intactas. Logo, pode-se analisar os sinais recebidos delas e a partir disso, elaborar um algoritmo mais preciso para a realização de uma determinada atividade.
Nos primeiros experimentos, pediu-se a um garoto que abrisse e fechasse sua mão, enquanto sua atividade cerebral era monitorada. Com isso, verificou-se que, durante essa ação, ocorriam oscilações entre 70 e 150 Hz. Depois disso, os pesquisadores decidiram dar uma funcionalidade para esse resultado e começaram o experimento, representado na Figura 4, para que um braço robótico pudesse apanhar uma bola laranja, sendo controlado apenas por estímulos cerebrais.
Figura 4: Experimento do Hospital John Hopkins
Nesse ensaio, um paciente, cuja atividade cerebral é monitorada pelo ECoG (representado pelo número 1 na Figura 4) e analisada no computador (número 3), é colocado em frente a um display (representado pelo número 2) que recebe o vídeo produzido pelo Microsoft Kinect acoplado ao braço robótico (número 4), em que são mostrados objetos (número 5) em cima da mesa. Em (2) há também sensores que captam os movimentos oculares do paciente e transmitem a informação para o braço robótico, para que ele se ajuste com o intuito de apanhar a bola laranja. Depois que o braço é ajustado, o paciente realiza o movimento para pegar o objeto, enquanto o algoritmo computacional é executado, fazendo com que o braço robótico realize a mesma ação.
Esse experimento foi realizado em uma paciente e, em 28 tentativas, ela conseguiu ativar o braço robótico com sucesso em 20 delas, ou seja, a taxa de êxito foi de aproximadamente 71,43%, o que já é um grande resultado no desenvolvimento dessas interfaces. Com isso, pretende-se ainda aprimorar o sistema para obter um maior êxito e também, ampliar os estudos para que possa utilizá-las para o tratamento de indivíduos que perderam a capacidade de falar.
As interfaces cérebro-máquina têm uma aplicabilidade muito importante e no futuro, quando elas já estiverem bem desenvolvidas, poderão ser utilizadas no tratamento de seres vivos com deficiências físicas naturais ou adquiridas. Como também, são um trunfo para o tratamento da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), doença que Stephen Hawking possui, em que o debilitado vai perdendo o controle do movimento dos músculos e que culmina em uma parada respiratória.
Daniel Abrantes Formiga
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