A Revolução do Open Source e do Movimento Do it Yourself
Existe uma revolução acontecendo em termos nunca antes vistos na História. Conheça seu surgimento, seus motores, seus resultados e seus heróis.
Em 2010, Tim Berners Lee, o criador da internet, afirmou que enquanto existir informações em rede, pessoas a irão utilizar para fazer coisas incríveis, como nunca poderíamos imaginar. Na internet se encontra praticamente tudo que precisamos, desde para a diversão até ferramentas que facilitam o trabalho de cada dia. Entretanto, algo bem mais interessante acontece quando estes dois mundos aparentemente distantes colidem: quando a diversão é motor para o trabalho. Esta é uma época em que usuários, encorajados pela alta disponibilidade de informações, cada vez mais se tornam também produtores do próprio conteúdo.
Para explicar melhor, começarei com uma simples pergunta: quem inventou a mountain bike? Pela teoria econômica tradicional, a invenção seria creditada provavelmente para alguma grande empresa, que teria os recursos necessários para a criação. Outra resposta seria que este tipo de bicicleta veio de um gênio solitário em sua garagem, que do nada teria tido a ideia. Mas não, nenhuma destas é a resposta. A mountain bike veio de usuários, particularmente um grupo de jovens da Califórnia; frustrados pelo desempenho das bicicletas de corrida tradicionais, que eram bastante pesadas e grandes , começaram a mudar pequenos aspectos destas bikes, até que por uma mistura de várias ideias, surgiu a mountain bike.
Hoje, cerca de 30 anos depois da invenção, são inúmeras as empresas que fabricam mountain bikes, de forma que as vendas relacionadas a este tipo de bicicleta correspondem por 65% das vendas no ramo na América, o que vale cerca de 58 bilhões de dólares.
Esta categoria foi completamente criada por consumidores e não seria desenvolvida pelo mercado porque este não seria capaz de ver a necessidade. Não teria o incentivo para inovar como aqueles jovens californianos. Eles tinham o incentivo, as ideias e as ferramentas para fazer o que queriam. E, em uma explosão coletiva de criatividade, fizeram.
A partir disto começa o contraste entre o que se aprende tradicionalmente sobre o conceito de criatividade e sobre o que ela realmente é. Geralmente, ainda somos levados à ideia de que a criatividade está relacionada a pessoas especiais, em lugares especiais, tendo pensamentos especiais, que então apresentarão seu novo produto para os consumidores dizerem seu sim ou não para a invenção. Os consumidores são passivos. Esta é a ideia de criatividade.

Mas como no caso das mountain bikes, o mundo está repleto de situações que evidenciam que a criatividade, na verdade, tem sempre se mostrado como altamente colaborativa e interativa. Por exemplo, na criação do SMS (short message service), seus criadores não faziam ideia de qual seria seu propósito. Somente quando esta tecnologia chegou às mãos dos adolescentes que eles criaram seu uso. Cada vez mais, inventores não são capazes de dizer todas as aplicações do que desenvolveram, pois são criadas com o uso cotidiano, em colaboração com os usuários. Temos a mania de pensar que uma grande invenção é algo somente relacionado com o momento específico da criação, quando na realidade, a maioria da criatividade é cumulativa e colaborativa; como a Wikipedia, que se desenvolve por um longo período.
Desta forma, a criatividade colaborativa tem caracterizado uma das maiores revoluções que estamos passando. Pense na situação : um pai quer dar ao seu filho um carrinho de brinquedo. Mas ele precisa ir a uma loja comprá-lo? Não. Basta ele fazer um download do arquivo do carrinho da internet e o imprimir em sua impressora 3D. Esta ideia de que é possível manufaturar objetos digitalmente com esses tipos de máquinas é o que a revista The Economist definiu como a Terceira Revolução Industrial. Todavia, não é somente o fato de poder construir produtos desta forma que interessa, mas sim o porquê que podemos, como argumenta o engenheiro eletricista italiano Massimo Banzi.

Ele afirmou que há outra grande revolução acontecendo, a qual lida com hardware de código aberto (open source hardware) e com o movimento Maker (Maker’s movement), porque até a impressora que faz o carrinho é open source, desde os arquivos de construção, ao hardware, software e as instruções. Como também, em virtude de que isto é parte de uma grande comunidade em que milhares de pessoas estão realmente construindo estas impressoras, em um ritmo que permite muitas inovações pois tudo é open source. Você não precisa da autorização de ninguém para criar algo bom.
Outra coisa interessante é o motivo da impressora ser open source. Seu principal funcionamento é permitido pelo uso do Arduino, um projeto em que Massimo vem trabalhando nos últimos nove anos, juntamente com amigos: dois americanos, dois italianos e um espanhol. Em grupo, eles desenvolveram as placas Arduino com o propósito de ser algo simples para uso de seres humanos, ser algo que pudesse interagir conosco, que fosse fácil de entender e que todos pudessem ter acesso, sendo assim, open source.
Com Arduino, é possivel criar diversos projetos mesmo que você não seja um engenheiro, e é este o objetivo. Até crianças são capazes de fazer projetos com Arduino e é realmente assustador ver suas capacidades uma vez que a são dadas as ferramentas.
O Arduino em si tem diversos componentes que individualmente podem ser difíceis para uma criança de doze anos entender ou mesmo alguém de fora da área de criação tecnológica, mas ele consegue unir todas as funcionalidades em algo que o usuário pode utilizar para criar experiências dos mais diferentes níveis e, sobretudo, de forma rápida e eficiente.
Em situações como essa, há companhias que fazem suas próprias versões de Arduino para mercados específicos, de modo que há cerca de 150 variações de Arduino no momento. Como os que são feitos pela empresa Adafruit, que é dirigida por uma mulher chamada Limor Fried, também conhecida como Ladyada, uma das heroínas do movimento de hardware open source e do movimento Maker.
Limor Fried é engenheira eletricista formada pelo MIT, já desenvolveu diversos dispositivos e é a administradora da Adafruit Industries, em Nova York, uma companhia que faz kits de eletrônica open source para os seguidores do movimento DIY - Do it Yourself – ou em português, “Faça você mesmo”. Mas não é somente por isto que ela já foi capa da renomada revista de tecnologia Wired. Alguns motivos são:
Ela criou o Tweet-a-Watt, que combina um medidor de tensão com um Arduino e um módulo wireless Xbee, capaz de enviar informações sobre seu consumo de eletricidade pelo Twitter.
Ela é uma dentre um pequeno número de pessoas responsáveis pela revolução do Arduino nos Estados Unidos da América.
Ela é líder do movimento open source hardware, o qual em breve se unirá ao open source software como um fenômeno de escala mundial que reinventará tudo desde modelos de negócios até a invenção em si.
Ela organizou um evento para “hackear” o Microsoft Kinect. O prêmio de $ 3000,00 foi ganho em somente três dias.
Ela controla uma máquina chamada “Pick-and-place”, que é um robô capaz de montar circuitos diretamente em placas.
A Adafruit tem um dos melhores open source blogs de eletrônica.
Ela desenvolveu uma das primeiras companhias de eletrônica liderada por uma comunidade. Na Adafruit, os fóruns vêm em primeiro lugar, em que as vozes dos fundadores tomam a frente e o foco.
Seu gato se chama MOSFET, acrônimo para metal-oxide-semiconductor field-effect transistor.
Ao falar sobre o movimento DIY e o Open Source, Limor afirma que o compartilhamento de arquivos é apenas o acelerador. No passado, era possível ler sobre os projetos de outras pessoas e os assistir pela televisão. Sempre havia essa grande separação entre o indivíduo e o que era feito. Contudo, hoje pode-se escolher livremente entre as tecnologias existentes e o trabalho de outras pessoas para desenvolver um projeto pessoal. Limor não acha que isto seria algum tipo de trapaça ou fraude, ela acredita que as pessoas estão realmente aprendendo. Mas tem-se que entender o que realmente deve ser feito. Ela diz que não se pode somente reproduzir aquilo que já foi criado, o código é aberto por um motivo: para que possa ser aperfeiçoado. Como ela disse, “você tem que fazer algo mais legal, melhor, mais brilhante, mais rápido e, claro, mais inteligente”.
Existem diversos websites realmente bons nos quais as pessoas podem compartilhar seus projetos, como o Instructables, iFixit, Etsy, Make, Hack a Day e o próprio da Adafruit. Assim, aqueles que eram acostumados a trabalhar sozinhos agora têm de fato uma comunidade para compartilhar projetos bem sucedidos como também suas dúvidas. É possível aprender de tudo, desde uma receita de bolo.

Inúmeros projetos foram desenvolvidos graças ao movimento DIY e a revolução Open Source, como o quadricóptero da figura abaixo, um pequeno modelo de helicóptero que, antes tecnologia militar, hoje é open source e começou a ser utilizado para transportar materiais entre vilas na África, fato que talvez não fosse possível se não fosse algo fácil de encontrar, de utilizar e principalmente, se não fosse disponível a todos. Outro trabalho é um dispositivo chamado Botanicalls, que trata-se de um Arduino associado com um módulo wi-fi em uma planta, o qual é capaz de fazer medições sobre o bem-estar da planta, que por meio de uma conta do Twitter permite uma “interação” com o vegetal. Este começaria a dizer “está realmente quente!” ou “estou com sede”, seria como se tivesse dado uma personalidade a sua planta.
Fotos: I- Modelo de quadricóptero open source ;. II- À esquerda, Botanicalls..
É interessante falar também de um dispositivo desenvolvido por um garoto de 14 anos do Chile, que fez um sistema detector de terremotos e publica os resultados no Twitter. Ele tem mais de 280 000 seguidores. Com somente 14 anos, antecipou em um ano um projeto governamental.
Quando o acidente de Fukushima aconteceu, muitas pessoas no Japão perceberam que grande parte das informações disponibilizadas pelo governo com relação aos níveis de radiação não eram de fato abertas e confiáveis. Assim, eles criaram um contador Geiger juntamente com um Arduino e uma interface de rede, espalhando cerca de 100 unidades dele pelo Japão, a fim de que analisassem as condições locais e enviassem informações para o website Cosm em tempo real.
Há também projetos feitos mais a nível de diversão, como um que, pela análise do feed do Twitter de uma família, é possível determinar onde cada membro está, e fez-se um relógio com Arduino como o da família Weasley dos filmes de Harry Potter. E tudo necessário para fazer este relógio se encontra online.
Um último projeto importante de ser aludido é o Ardusat, que esteve recentemente no Kickstarter. Trata-se de um satélite que realmente vai para o espaço e é completamente open source, controlado por Arduino e diversos sensores. Logo, se você sabe usar Arduino, você pode realmente desenvolver experimentos e carregá-los ao satélite, que realizaria testes no espaço.
São por projetos como estes que se evidencia a importância da revolução dita por Massimo Banzi e Limor Fried. As pessoas finalmente estão mais confortáveis com a ideia de construir e “hackear” aquilo que precisam, mesmo quando elas não se identificam como criadoras - makers. O impacto é tão forte e crescente que se estima que em dez anos, nos países desenvolvidos, as escolas tenham aulas de robótica mecatrônica com tanta importância como se têm as de matemática.
Não obstante tantos benefícios, pode-se questionar sobre as mudanças no consumo, uma vez que as pessoas estão começando a ter que escolher entre produtos de manufatura tradicional ou por aqueles feitos pela manufatura maker. O fato é que todos querem tecnologia bastante especializada, o que não é disponibilizado por grandes empresas, mas que agora são capazes de ter. Quando alguém faz um aparelho para si mesmo e o disponibiliza para comunidade, não é incomum que outras diversas pessoas também se identifiquem e gostem do que foi criado. Não é mais necessário se submeter a tudo aquilo imposto por grandes companhias, os consumidores terão mais escolhas feitas por pessoas parecidas com eles. No entanto, não é uma produção em larga escala a ponto de tentar produzir a nível de mercado, mas sim uma manufatura suficiente para suprir as necessidades de uma pequena comunidade.

A revolução do Open Source e do movimento Do it Yourself, portanto, vai muito além da Engenharia Elétrica e da Ciência da Computação: está mudando vidas. Afinal, dissera Limor Fried:
“Nós fazemos Ciência, e não temos ideia para que ela servirá até que alguém eventualmente descubra algo e diga, uau, isso vai ser útil para a eletricidade – talvez será como a tecnologia verde. Nós não temos ideia. Será estranho e surpreendente, e nós estaremos chocados, mas será fascinante.”
Emilly Rennale Freitas de Melo
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