Virando a Mesa
(Texto enviado por leitor) Geralmente, tudo começa no ensino fundamental: - Nossa, ele gosta de matemática! Ou, ainda mais surpreendentemente: - Nossa, ELA gosta de matemática! Depois eles gostam de física, de química, de computadores, e assim vão se moldando junto aos outros nerds da turma até o dia da grande decisão: prestar vestibular para engenharia. Anos de estudo, muita matemática –algumas engenharias têm mais matemática que o curso de matemática propriamente dito – provas, noites em claro, café... Ao fim, temos um engenheiro competente, que realiza cálculos complexos, tem raciocínio lógico e abstrato invejáveis, capacidade de improviso, enxerga soluções aonde outros só vêm problemas: uma verdadeira máquina na arte da engenharia. Portam uma versatilidade que lhes permite realizar com sucesso trabalhos em áreas para as quais não tiveram seu enfoque primário direcionado, como a administração, por exemplo. Mas apesar de tantas virtudes, temos uma séria deficiência. Segundo ouvi do próprio presidente do CONFEA em uma de suas palestras, "engenheiros são péssimos na comunicação entre si". Em outras palavras, temos uma deficiência gritante ao nos articularmos enquanto classe. Sofremos de uma falta de corporativismo que pode ter várias origens, citadas por alguns como "falta de motivação adequada durante a formação", "tendência natural à não socialização, devido à predominância do lado esquerdo do cérebro", "pouca auto-estima", etc. Curiosamente, aqueles nossos coleguinhas do ensino fundamental que seguiram outras carreiras geralmente não com as "falhas de comunicação interna". Quer exemplos? Os advogados, os médicos, os metalúrgicos... Todos eles são exemplos de corporativismo! Alguém aqui já viu um médico dizendo que outro está errado? Ou dois advogados batendo boca? No máximo, o primeiro advogado chega para o segundo e diz, polidamente: "Nobre colega, meu entendimento difere do seu em alguns aspectos legais...". Estes dois estereotipados exemplos fazem emergir uma verdade que precisamos incorporar ao nosso dia-a-dia: o respeito à classe desestimula as desavenças internas, pois sabe-se que unidos somos mais poderosos. Não sei exatamente de onde vem esta nossa deficiência de articulação, mas testemunhei um belo exemplo de como sua eliminação pode ser benéfica à nossa categoria. Devido à dura realidade social de nossa querida região Nordeste e à estagnação econômica pela qual o país passou nos últimos anos, o profissional de engenharia tornou-se relativamente farto no mercado. Assim, empresas pouco éticas aproveitam-se da situação para contratar engenheiros pagando salários indecorosos e abaixo do piso salarial que nos é garantido pela Lei n.º 4.950-A, em vigor desde 22 abril 1966. Em vários casos, estes salários são menores que metade do piso, e a estratégia destas empresas geralmente é subempregar o engenheiro como "Analista", "Supervisor", "Gerente", etc., reconhecendo legalmente apenas sua escolaridade média ou técnica. Vários colegas desempregados não têm outra opção e aceitam este tipo de oferta. Infelizmente, se o engenheiro não é contratado como tal, não compete ao CREA fiscalizar a empresa empregadora. As soluções mais óbvias para a "oferta de subempregos" são: 1. Crescimento econômico: aumenta a procura por engenheiros e a "Lei da oferta e da demanda" regula o mercado no sentido do aumento salarial. Muito bonito na teoria, mas demora a acontecer na prática. 2. Sindicatos fortes que pressionem as empresas e tentem conscientizar os profissionais a fim de que não se submetam a salários indecorosos. Requer um terceiro agente, externo ao problema e nem sempre disponível e/ou atuante. 3. Mobilização por parte dos engenheiros, recusando ofertas insatisfatórias de emprego e diminuindo a disponibilidade de mão de obra qualificada no mercado, valorizando assim o profissional. Os engenheiros eletricistas formados pela UFCG também enfrentam a "oferta de subempregos", principalmente por parte de empresas sediadas no nordeste. Mas estamos começando a sentir uma virada na mesa... Fazendo uso de uma simples lista de discussão por e-mail¹, temos conseguido a valorização do profissional neste momento de possível retomada do desenvolvimento econômico. Conforme as indústrias experimentam algum crescimento, passam a procurar mais engenheiros e seus gerentes de Recursos Humanos vêm até UFCG realizar seleções para trainees e estagiários. Acostumadas com a abundância profissionais recém-formados e sem perspectiva de empregos, as empresas inicialmente oferecem salários abaixo do piso. É nesta hora que a articulação faz a diferença: internamente e virtualmente nos reunimos, debatemos e combinamos entre os prováveis candidatos a não-aceitação da proposta. Sem ninguém para assumir as vagas abertas, as empresas percebem que precisam aumentar os salários, ou mesmo o pacote de benefícios, a fim de tornarem-se mais atrativas. Podem ainda procurar engenheiros em outras universidades menos conceituadas e arcar com os riscos embutidos nesta determinação.
Além disso, como forma de manter os colegas bem informados sobre o mercado de trabalho e o "caráter" das empresas, mantemos um ranking² onde as empresas, depois de avaliadas pelos candidatos ao emprego, são classificadas. De maneira geral as empresas se mostram interessadas em suas respectivas classificações, considerando o ranking como um "termômetro" de sua aceitação pelos alunos da UFCG. Este ranking surgiu de uma conversa entre alunos do próprio curso de Engenharia Elétrica, e é um belo exemplo de como engenheiros podem criar soluções simples e eficazes para sanar, mesmo que parcialmente, problemas enormes. "Parcialmente" por enquanto, pois imagino que estamos fazendo uso do raciocínio correto. Virar a mesa agora é uma questão de empenho dos colegas e de tempo. Pouco tempo... Tarso Vilela
¹ http://groups.google.com.br/group/alunosdee/ |
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