O Último Teorema de Fermat (Parte II)
- A vitória de Andrew Wiles -
Depois que as observações de Fermat se tornaram populares entre os matemáticos da época, ficou claro que suas notas pessoais continham uma série de teoremas formidáveis. Infelizmente, ou esses teoremas não eram acompanhados por nenhuma explicação ou tinham apenas indícios da demonstração que os apoiava. Mas havia uma lógica pesada que deixou os matemáticos na certeza de que Fermat tivera as demonstrações. A tarefa de recriá-la fora deixada como um desafio para eles.
Leonhard Euler, um dos melhores matemáticos de todos os tempos, tentou demonstrar uma das mais elegantes observações de Fermat. Todo primo pode ser encaixado em duas categorias: aqueles que são iguais a 4n+1 e aqueles que são iguais a 4n-1, onde n é igual a algum inteiro. Fermat afirmava que o primeiro grupo é sempre a soma de dois quadrados enquanto que o segundo tipo jamais pode ser escrito deste modo. O desafio para Euler era reconstruir esta demonstração. Finalmente, em 1749, depois de sete anos de trabalho e quase um século depois da morte de Fermat, Euler teve sucesso, obtendo a prova para este teorema dos números primos.
À medida que os séculos passavam, todas as observações e teoremas foram demonstrados, um por um, mas o Último Teorema de Fermat foi se tornando um desafio.
Quando Euler encontrou o Último teorema de Fermat, ele deve ter-lhe parecido muito simples. Euler imaginou se não poderia provar que uma das equações não tinha solução e então extrapolar o resultado para todas as outras. Seu trabalho recebeu um empurrão quando ele descobriu uma pista oculta nas anotações de Fermat, onde ele demonstrava o Último teorema para o caso específico n = 4.
Euler conseguiu demonstrar com sucesso o caso de n=3, usando números complexos. Depois de cem anos, esta era a primeira vez que alguém conseguira fazer algum progresso na direção de solucionar o desafio de Fermat. Mas, infelizmente, esta realização não pôde repetir pra os outros casos englobados pelo Último Teorema. Com a demonstração para n = 3 e 4, viram que a demonstração do primeiro caso serviria também para n = 6, 9, 12, 15...e o segundo caso serviria para n = 8, 12, 16, 20... .Assim, para demonstrar o Último teorema de Fertmat para todos os valores de n só é preciso demonstrá-lo para valores primos de n. Todos os outros casos serão então meramente múltiplos dos casos primos e serão demonstrados implicitamente. Isto parecia ter simplificado o problema, mas continuamos ainda com uma infinidade de casos a serem provados.
Sophie Germain viveu em uma era de preconceitos, para realizar suas pesquisas ela foi obrigada a assumir uma identidade falsa, estudar sob condições terríveis e trabalhar isolada. O pai dela chegou a esconder as suas velas e agasalhos e removeu todo o aquecimento de modo a impedi-la de estudar, mas Germain reagiu mantendo um estoque secreto de velas e se enrolando nas roupas de cama. Com toda essa determinação, seus pais finalmente foram vencidos e deram a Sophie o seu apoio.
Em 1794 a École Polytechnique foi inaugurada em Paris. Sendo uma escola exclusiva para homens, Germain, para conseguir algum apoio intelectual, assumiu a identidade do ex-aluno Monsieur Antoine-August Le Blanc e passou a estudar secretamente na escola. Germain conseguia obter tudo o que era destinado a Le Blanc e a cada semana entregava as respostas dos problemas sob este pseudônimo. Após dois meses de farsa, o supervisor do curso, Joseph-Louis Lagrange, não pôde mais ficar indiferente ao talento demonstrado nas respostas de Monsieur. Lagrange solicitou um encontro com o estudante e Germain foi forçada a revelar sua verdadeira identidade. Lagrange ficou surpreso, mas contente, ao conhecer a jovem e tornou-se imediatamente seu amigo e mentor.
Sophie estudando na École pôde estudar áreas inexploradas da matemática e se aprofundar em outras, sendo a teoria dos números uma delas. Acabou conhecendo o Último teorema de Fermat. Germain trabalhou no problema durante vários anos e afinal chegou ao ponto em que acreditava ter feito uma descoberta importante. Ela precisava debater suas idéias com outro teórico dos números e resolveu ir ao topo, consultando o maior teórico de todo o mundo, o matemático alemão Carl Friedrich Gauss, considerado o maior matemático de todos os tempos. As correspondências de Sophie com Gauss inspirou muito de seu trabalho até 1808, quando Gauss foi nomeado professor de astronomia e seus interesses se transferiram da teoria dos números para a matemática aplicada.
Sophie Germain desenvolveu um argumento para demonstrar que provavelmente não existem soluções para o teorema de Fermat para um tipo especial de primo p onde (2p+1) também é primo. Baseado nos argumentos de Sophie, Dirichlet e Legendre provaram que não existe solução para n =5 e depois Gabriel Lamé demonstrou para n =7. Assim, Germain tinha mostrado para os teóricos dos números como eliminar um grande conjunto de números primos.
Depois da descoberta de Sophie Germain, a Academia Francesa de Ciências ofereceu uma série de prêmios, incluindo uma medalha de ouro e três mil francos, ao matemático que pudesse finalmente terminar com o mistério do Último Teorema de Fermat. Durante um tempo, Lamé e Cauchy fizeram uma disputa acirrada para conseguir demonstrar o teorema, mas Kummer, matemático alemão, descobriu um erro de lógica grave nas demonstrações que Cauchy e Lamé estavam cometendo para demonstrar o Último Teorema de Fermat, assim, os dois fracassaram.
Paul Wolfskehl, um industrial e matemático alemão de Darmstadt, deu uma nova vida ao problema. Wolfskehl era apaixonado por uma linda mulher, mas o seu amor não foi correspondido por ela, assim ele decidiu se suicidar, marcando a hora e data, resolvendo dar um tiro na cabeça exatamente à meia-noite. Mas Paul fora tão eficiente que tudo estava pronto para seu suicídio (testamento, lençóis, cartas, etc.) bem antes da meia-noite. Para passar o tempo até a hora fatal ele se dirigiu para um biblioteca onde começou a ler o trabalho clássico de Kummer sobre o fracasso de Cauchy e Lamé. Ao examinar os cálculos linha por linha ele achou uma passagem que não tinha sido justificada, assim, ele tentou justificá-la. Quando o dia amanheceu, o trabalho estava terminado e a hora do suicídio tinha passado. Wolfskehl estava tão orgulhoso por ter descoberto e corrigido uma falha no trabalho de Ernst Kummer que seu desespero e mágoa tinham evaporado. A matemática lhe dera uma nova vontade de viver. Quando Paul morreu, em 1908, o novo testamento foi divulgado e a família Wolfskehl ficou surpresa ao descobrir que 100 mil marcos (equivalente a um milhão de dólares, hoje em dia) é destinado a qualquer um que provar o Último Teorema de Fermat.
O dinheiro foi colocado sob a guarda do Königliche Gesellschaft der Wissenchaften de Göttingen, que anunciou oficialmente o início da competição pelo Prêmio Wolfskehl no mesmo ano:
"Pelos poderes conferidos a nós pelo Dr. Paul Wolfskehl, morto em Darmstadt, nós, portanto, criamos um prêmio de cem mil marcos a ser dado à pessoa que primeiro provar o grande teorema de Fermat."
Estava lançado o prêmio de maior valor e maior prestígio da matemática.
Com a popularização do prêmio, o departamento de matemática da universidade de Göttingen, recebeu milhões de cartas com demonstrações falsas e com erros absurdos, dando muito trabalho ao professor Edmund Landau, chefe do departamento.
Com a chegada dos computadores os casos mais difíceis do Último Teorema de Fermat podiam ser enfrentados com rapidez. Os matemáticos já podiam afirmar que o teorema é verdadeiro para todos os valores de n até 4 milhões, mas isso não era para os matemáticos que queriam uma prova verdadeira do teorema.
Em 1955, no simpósio de matemática de Tóquio, dois jovens matemáticos, Goro Shimura e Yutaka Taniyama, propuseram uma relação entre as formas modulares e equações elípticas (assuntos que fogem do escopo deste texto). Essa extraordinária relação iria revolucionar a matemática moderna.
Se a conjectura de Taniyama-Shimura fosse verdadeira, ela permitira que os matemáticos solucionassem problemas que tinham passado séculos sem serem resolvidos.
Em 1984, um seleto grupo de teóricos dos números se reuniu para um simpósio em Oberwolfach, cidade alemã. Um dos oradores do simpósio, Gerhard Frey, afirmou que qualquer um que provar a conjectura de Taniyama-Shimura, automaticamente provaria o Último teorema de Fermat. Esta relação foi provada por Ken Ribet, alguns meses depois.

Andrew Wiles, que em 1963, com apenas dez anos de idade, viu pela primeira vez o último teorema de fermat no livro O Último problema de Eric Temple Bell, percebeu que poderia ser possível demonstrar o Último Teorema de Fermat através da conjectura de Taniyama-Shimura, realizando assim seu sonho de infância.
Andrew Wiles passou a pesquisar completamente isolado, no sótão de sua casa, seus resultados não eram publicados, sendo mantidos em segredo. Wiles publicava trabalhos em outras áreas, de modo a despistar os colegas. Depois de 7 anos de pesquisas, em 1993, passados 356 anos desde o desafio de Fermat, ocorreu uma conferência no Instituto Isaac Newton, em Cambridge e nesta conferência Wiles assombrou os matemáticos e posteriormente o mundo ao anunciar a demonstração da conjectura de Taniyama-Shimura, no que implicaria na demonstração do Último Teorema de Fermat, seu sonho de mais de trinta anos.
Mas a demonstração de Wiles tinha que ser submetida a um exame de avaliação. Um dos avaliadores, Nick Katz, encontrou um erro na demonstração de Wiles. Antes de Wiles enfrentar a humilhação de admitir que cometera um erro ele decidiu fazer um esforço concentrado para consertar a falha e voltou a sua velha rotina. Após quatorze meses de isolamento e pressão da impressa pela prova, em 1995, ele conseguiu consertar o erro e ganhou as páginas dos jornais do mundo inteiro e 50 mil libras da Fundação Wolfskehl.
Nustenil Segundo de Moraes Lima Marinus
Referências:
SIngh, Simon." O último Teorema de Fermat". 12º edição, editora Record, Rio de Janeiro, 2006.