Sabe aqueles dias em que tudo dá errado? O dia amanhece nublado, o pão cai no chão com a parte da manteiga para baixo, a prova não foi lá o que você esperava e ainda seu pé é premiado com um daqueles tropeções cinematográficos... Surge na mente uma possível explicação: só pode ser a Lei de Murphy!
Apesar de não ser tão aplicável aos nossos cálculos como a Lei de Ohm ou a Lei de Ampére, esta lei se aplica muito bem ao nosso cotidiano. Uma de suas muitas versões é “se alguma coisa puder dar errado, dará”. Há um certo tom profético na máxima, é verdade, porém a probabilidade e o próprio Murphy podem desmistificar a questão.
Edward Murphy Jr. (1918-1990) era um engenheiro (!) de desenvolvimento da força aérea americana. No final da década de 40, na base Edwards, Califórnia, o médico militar John Paul Stapp (1910-1999) fazia experimentos sobre o impacto da gravidade no corpo humano. A pesquisa destinava-se a conhecer quantos G’s – unidade de força gravitacional que age sobre o corpo ao nível do mar – um piloto poderia suportar em um acidente.
O experimento consistia em um desacelerador – um trenó sob trilhos submetidos à altas velocidades ( cerca de 320 Km/h), conhecido como “Gee Whiz” . A fim de obter melhores resultados em suas medições,
Stapp trocou os bonecos de teste do trenó por si mesmo, o que lhe garantiu ossos quebrados e vasos sanguíneos rompidos nos olhos. Para tornar os dados coletados mais confiáveis, um certo engenheiro, Edward Murphy, levou para o experimento quatro sensores que mediriam a força G.
A primeira tentativa de medição com os sensores foi um fracasso: todos os equipamentos haviam sido conectados incorretamente. Murphy culpou um subordinado pelo erro, afirmando que "se existirem duas ou mais formas de fazer uma tarefa, e uma delas puder provocar um desastre, alguém irá adotá-la".
A frase tornou-se pública após uma entrevista coletiva com John Paul Stapp, que conferiu à afirmação o título de Lei de Murphy, um lembrete de que o que pode dar errado, dará. Inicialmente, a lei estava mais voltada para a importância da prevenção de acidentes. Com o tempo, chegou à literatura aeroespacial e nos anos 70 se popularizou, ganhando uma conotação mais pessimista.
A teoria das probabilidades nos ajuda a entender a Lei de Murphy. Imagine-se em um lugar desconhecido diante de uma bifurcação, que o confere 50% de chances de escolher o caminho correto a seguir. Imagine também outras bifurcações no caminho. Claramente, a probabilidade de acertá-lo diminui a cada escolha a ser feita, ou seja, suas chances de se perder aumentam. Pense também em nuvens carregadas se aproximando exatamente no momento em as roupas estão sendo postas no varal. Azar? Conspiração sobrenatural? Seria mais fácil pensar que havia uma probabilidade de chover desconsiderada no momento em que as roupas foram estendidas.
O caso do pão com manteiga talvez seja o mais famoso exemplo da aplicação da Lei de Murphy. O lado recheado do pão não cai sobre o seu tapete devido a forças murphyanas ocultas. Assim como num jogo de cara ou coroa, a probabilidade de que um dos lados esteja voltado para baixo é 50%. Entretanto, não jogamos a fatia como uma moeda – ela cai inesperadamente – e a altura da mesa em que fazemos a refeição e a gravidade não permitem que o pão tenha tempo nem energia para girar 360° sobre si mesmo. Os resultados são diferentes para uma pessoa que come em pé.
Além da probabilidade, outro fator favorece a constatação de Murphy: tendemos a destacar muito mais os erros do que os acertos. Ao chegar são e salvo em casa ninguém pensa “puxa, como eu caminho bem!”. Porém, se você tropeçar durante a caminhada, certamente refletirá sobre os motivos que justificam o fato. A nossa memória seletiva também nos faz pensar que há algo de errado conosco – guardamos muito mais os momentos em que a Lei de Murphy é aplicada. O egocentrismo, da mesma forma, pode contribuir: é mais fácil perceber que a fila ao lado, no supermercado, anda mais depressa do que notar que pessoas foram deixadas para trás quando a sua fila é a mais rápida. O rigor estatístico também por vezes é negligenciado: apesar de a probabilidade de tirar cara ou coroa em um jogo de moeda ser a mesma, muitos atribuem ao azar o insucesso do resultado.
Existe até uma formula que prevê a ocorrência da Lei de Murphy, criada por Joel Pel, engenheiro biológico da University of British Columbia. Esta considera a importância do evento (I), a complexidade do sistema envolvido (C), a urgência da necessidade de o sistema funcionar (U) e a freqüência com que o sistema é utilizado (F).
O que a Lei de Murphy ensina para nós, engenheiros, é que sistemas são suscetíveis a erros e que a segurança de um projeto aumenta quando pensamos e evitamos o maior número de falhas possível. Vale ressaltar que os dispositivos de segurança não existem por acaso: todos sabem que o cinto de segurança e o capacete, por exemplo, evitam acidentes mais graves - sim, eles também podem acontecer com você.
Sabe aqueles dias em que tudo dá errado? Não sabe? Então cuidado: a Lei de Murphy está pronta para agir. Nós falhamos, ela não.
Júlio César Cavalcanti
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