Metrologia e Quebra-Quilos
Metrologia pode ser definida, de forma simplificada, como sendo o conhecimento dos pesos e medidas e dos sistemas de unidades de todos os povos, antigos e modernos. De uma forma mais abrangente, poder-se dizer que a metrologia envolve todos os aspectos teóricos e práticos, relacionados com a exatidão das medições, nos domínios da ciência e da tecnologia.
Já o Quebra-Quilos foi um movimento socio-econômico, de conseqüências trágicas, que irrompeu em vários pontos do Brasil em 1874 e, particularmente, em Campina Grande, a partir da Serra de Bodopitá, no então distrito de Fagundes.
Várias foram as causas atribuídas à insurreição, denominada Quebra-Quilos: criação de novos impostos, alistamento para o serviço militar e fanatismo religioso, como foi atribuído pelo escritor Horácio de Almeida, em seu livro Brejo de Areia. Porém, a principal causa da revolta tenha sido a implantação do sistema métrico decimal, originário da França, sem quaisquer esclarecimentos à população. O fato histórico é que a revolta do Quebra-Quilos se tornou uma das poucas insurreições de cunho exclusivamente econômico ocorridas no Brasil.
No livro Quebra-Quilos: lutas sociais no outono do império, o professor pernambucano Armando Souto Maior registra que a expressãoquebra-quilos não é nordestina, uma vez que ela teria surgido no Rio de Janeiro, capital do Império, “por ocasião das arruaças de 1871, quando alguns grupos de marginais e desocupados depredaram casas comerciais que estavam usando o novo sistema de pesos e medidas”. Como gritassem Quebra! Quebra os Quilos! A denominação pegou e todos os participantes do movimento passaram a ser chamados de Quebra-Quilos.
Naquele tempo, conforme pode ser lido no capítulo 3 (Revolta do Quebra-Quilos) do livro A Metrologia no Brasil, de Júlio C. Felix, a medida que fora substituída pelo metro denominava-se vara. Como a vara era maior que o metro, todo mundo se julgou lesado! Ora! Por que motivo, de uma hora para outra, deveriam abandonar as medidas de seus antepassados, debaixo de cujos padrões haviam sempre vivido: léguas, braças, passos, côvados, alqueires, terças, arrobas, libras, cuias, onças, para usarem outras que não entendiam e que lhes pareciam pura velhacaria: o litro menor que a terça, o quilo maior do que a libra, enfim, uma confusão dos demônios nas suas cabeças? E isso sem uma explicação lógica, sem os convencerem das vantagens a auferir.
Em Campina Grande, a ação dos quebra-quilos se desenvolveu na feira, quando os integrantes do movimento quebraram peças, jogando-as nas águas do Açude Velho (In: Almeida, Elpídio de, História de Campina Grande. Campina Grande: Editora Universitária/UFPB, 1979). Em seguida, os revoltosos foram aos cartórios e destruíram documentações, tendo como resposta uma repressão policial implacável e cruel, como a instituição de um colete de couro cru, com o qual era vestido o tronco do preso. Com o sol quente, o couro molhado anteriormente secava e o sinistro espartilho colava-se à pele do preso, asfixiando-o. Episódios como estes terminaram por levar à morte muitos dos prisioneiros e fizeram com que alguns dos sobreviventes tornarem-se cangaceiros ou assumissem a condição de herói, como no caso de João Carga d’Água (João Vieira da Silva).
Ele, que descendia de negro e índio, era natural do Mariz Preto, localidade pertencente ao município de Pocinhos, foi, contraditoriamente, Capitão do Mato (perseguidor de negros fugitivos) e um dos líderes do Ronco da Abelha, em 1852, assim como de uma rebelião de escravos, em 1873. Mas esta é mais uma das tantas histórias das contradições humanas, imbricadas no imaginário nordestino: pródigo de mitos e aberto a tantas releituras.
Prof. Dr. Benedito Antonio Luciano
(Professor do DEE, e-mail:benedito@dee.ufcg.br)