Entrevista com o Professor Antônio Marcus


Nasceu em Recife, Pernambuco em 1958, obteve os títulos de Engenheiro Eletricista e de Mestre em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB em 1981 e 1985, respectivamente e o título de Doutor em Engenharia Elétrica pelo Institut National Polytechnique de Toulouse - INPT, França, em 1989. Trabalhou na Escola Técnica Redentorista - ETER, Campina Grande de 1977 até 1982 e foi Engenheiro de Projetos da Sul - América Philips, Recife, Pernambuco, de 1982 a 1983. De setembro de 1983 até setembro de 1995 foi, sucessivamente, Professor Auxiliar, Assistente e Adjunto do Departamento de Engenharia Elétrica - DEE da UFPB. Em outubro de 1995 foi aprovado no Concurso Público de Provas e Títulos para Professor Titular do DEE da UFPB. Desde abril de 2002 é Professor Titular do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Campina Grande - UFCG.

Atualmente, também ocupa o cargo de chefia do Departamento de Engenharia Elétrica - DEE da UFCG.

1. Quais foram as motivações que o levaram a escolher o curso de engenharia elétrica como graduação?

Vou puxar pela memória, meu pai e minha mãe diziam que um pouco antes da adolescência, eu já falava em eletrônica. De fato, eu nunca me preocupei em justificar a escolha, que foi tão natural pra mim... O único registro que tenho é esta menção familiar. Nunca cheguei a pensar em outra alternativa que não fosse esta. Inclusive, na época do vestibular, eu não incluí segunda opção.


    2. Em 1977, quando o senhor entrou no curso, qual era a promessa de emprego em engenharia elétrica?
O registro que eu tenho é que nessa época o maior empregador era a CHESF. Então, as pessoas, praticamente, eram empregadas em massa pelas concessionárias. 

Do pessoal que não ficou na Chesf, alguns foram pra Petrobrás, porque nessa época ela tinha um curso de formação específica em petróleo. Você fazia o curso de engenharia, depois fazia uma espécie de segundo vestibular para entrar no setor de petróleo. Hoje em dia, já é diferente, existe a formação de petróleo na graduação, antes mesmo de fazer o curso de engenharia.

3. Que aspectos do curso, destacadamente, melhoram ou pioraram desde da época da sua graduação até hoje?

Acho que, no geral, o curso melhorou muito mesmo. Melhorou em termos de laboratório, houve a criação de novos laboratórios, a consolidação da pesquisa, a oportunidade de você avançar no conhecimento de certa área. Hoje a gente tem um programa consolidado na pós-graduação, isso é muito positivo. Então, quem tem o interesse de trabalhar com pesquisa na engenharia, quer dizer coisas aplicadas, não uma pesquisa que não tenha aplicação direta. Quem tem interesse nessa área, que é o caso da engenharia, pode seguir em frente que vai encontrar coisas de qualidade aqui. 

Outro aspecto é o nível da atualidade dos conteúdos, por exemplo. Na época que eu fiz o curso aqui, não existia uma disciplina que falasse sobre controladores lógicos programáveis, não existia uma disciplina que falasse sobre controle digital (…) muitas disciplinas, em várias áreas, que foram resultantes da reforma curricular, que fazem muita diferença pra quem vai para o mercado de trabalho. Lembro muito bem das primeiras aulas da saudade depois da reforma do currículo, em 1999, 2000, nas primeiras turmas, que o pessoal reclamava muito da mudança do currículo e alguns alunos tiveram que passar, em alguns casos, mais um semestre, ou um pouco mais do que isso, e houve até estudantes que choraram na cerimônia, por conta que ‘aquilo era um grande sofrimento’, 'como é que pode fazer isso com a gente?'. Estes mesmos estudantes, dois anos depois, bateram palmas para o curso porque essa foi a época do 'BOOM' das telecomunicações. Então, muita gente estava querendo fazer telecomunicações. Dois anos depois, o 'BOOM' acabou e esse pessoal teve que procurar outro emprego e conseguiu esse emprego porque ele, mesmo sendo de telecomunicações, buscou trabalho na área de sistemas de potência, devido à formação muito generalista do curso. Ele não era um engenheiro focado demais, era um engenheiro que tinha a capacidade de se adaptar rapidamente. O que eu acho importante é que o aumento da carga das disciplinas obrigatórias fez com que o aluno tivesse mais lastro. Você não é um especialista em telecomunicações se você fizer sistemas elétricos, mas você sabe quais são problemas relacionados. Você estudou princípios, estudou antenas e propagação, eletromagnetismo, disciplinas que dão pra você uma visão clara do que está acontecendo lá; o contrário também é verdadeiro. Então, esta é a grande vantagem do currículo atual que não existia na minha época. Se você comparar com a grade curricular da época verá que era uma grade muito limitada e assuntos de modernidade faltavam no currículo.

4. Em que ocasião surgiu sua inclinação para o ensino?

Quando eu vim pra Campina Grande, vim de Recife porque meus pais se mudaram para cá. Meu pai veio assumir a posição de gerente de empresa aqui. Eu vim diretamente para fazer o segundo grau já, eu via o Redentorista como uma boa escola técnica e eu fui pra lá. Então, eu fiz o segundo ano cientifico, fiz também a parte técnica. Cursei o segundo e o terceiro anos lá. Quando eu terminei o Redentorista, senti que seria uma boa experiência ensinar lá. Então, trabalhei no Redentorista como professor enquanto fazia o curso de engenharia. E aí, meu pai foi embora e eu acabei arranjando meu meio de vida sendo professor lá. Nesse momento eu me identifiquei com o que eu estava fazendo. Então, no Redentorista trabalhei por cinco anos e fui professor de quase tudo, ensinei eletrônica, ensinei circuitos, várias disciplinas ao longo desses cinco anos em que estava lá. Cheguei a ser coordenador de curso, quer dizer, um monte de atividades ligadas ao ensino. Digamos assim, que acordei para as atividades de ensino mais ou menos nessa época.


5. Na sua carreira como docente, qual foi o principal ganho pessoal e/ou profissional, que seria difícil ser alcançado pelo exercício exclusivo da engenharia?

             A liberdade de poder fazer o que você gosta e o que você quer. Por exemplo, hoje qualquer professor pode estudar qualquer assunto relacionado com engenharia e o único compromisso é que ele faça coisas de qualidade e produza resultados. E o que são esses resultados? Formar pessoas, publicar artigos, dar aulas, fazer projetos. Então se o professor consegue fazer isto tudo, ele consegue estudar, praticamente, tudo o que quer, o que é uma liberdade muito grande, que as pessoas, muitas vezes, não sabem usar. Esta liberdade não é irrestrita, você não pode fazer qualquer coisa. Se você quer estudar um assunto novo, esse assunto novo tem que ter um contexto dentro da sua profissão. No mercado de trabalho não é bem assim, se a empresa tem uma necessidade estratégica de tal assunto, de tal problema, bem, você só pode estudar aquilo. O que você for fazer tem que ser no seu tempo extra, no seu tempo livre. Então a grande diferença do mercado de trabalho, é esta liberdade. Agora do ponto de vista do nível de cobrança, eu acho que tem que ser o mesmo. Você tem que ser cobrado, você está livre pra fazer o que você quer em termos de conteúdo, mas você tem que produzir coisas de qualidade. Então, não é uma coisa tão gratuita. Para mim a grande coisa é realmente isso.

O outro lado é você poder presenciar e ajudar o crescimento e a formação de pessoas. É muito gratificante quando a gente vê que contribuiu para uma pessoa como você, que chegou aqui há dois, três anos, e daqui a uns cinco anos, por exemplo, poderá ser dirigente de uma empresa e nós podemos ter contribuído para que isso tenha acontecido.

6. Seguindo a tendência de algumas universidades federais, alguns professores do DEE se posicionam a favor da divisão do curso em quatro novos cursos que compreenderiam as ênfases atuais. Qual o seu posicionamento sobre esse assunto? E quais seriam os prós e contras?

Vou começar pelos prós e contras. A fragmentação do curso em vários geraria uma espécie de sobrecarga administrativa, porque você vai precisar de mais pessoal administrativo, ao existirem quatro cursos. De fato, não seriam quatro, seriam cinco cursos que as pessoas falam, muito embora só discutam os quatro porque é o que está mais em moda, mas de fato, são cinco cursos. Por que são cinco cursos? Porque são as cinco habilitações profissionais reconhecidas pelo Sistema CREA/CONFEA. Só para colocar em perspectiva, as universidades dão diplomas, mas quem regula o exercício profissional é o CREA/ CONFEA. Então a universidade pode criar um diploma de engenharia X e para você exercer essa engenharia, você vai ter que ir ao CREA e para obter sua carteira. Você mostra seu diploma, a grade curricular do seu curso e o CREA vai dizer que profissão você pode exercer. Então essa prerrogativa é do CREA, a Universidade pode inventar os cursos que ela quiser, mas no caso da engenharia, o exercício profissional só pode ocorrer quando você obtém sua carteira profissional e quem dá essa carteira é o CREA. Por isso que eu digo que são cinco, porque o CREA reconhece controle e automação, telecomunicações, eletrônica, eletrotécnica e computação. Então nós temos de fato cinco cursos dentro do nosso curso de elétrica. Se fossemos dividir, teríamos que dividir para contemplar essas cinco ênfases, para que o profissional possa tirar a carteira profissional numa delas.

Agora do ponto de vista do estudante, a divisão tem a vantagem de propiciar um curso muito focado no que ele vai fazer profissionalmente, mas tem a desvantagem de, justamente por ser muito focado, fechar algumas portas. Nós tivemos problemas há mais ou menos um ano e meio no concurso da CHESF. A CHESF não entendia que um engenheiro de controle e automação pudesse disputar a vaga de engenharia elétrica. Foi preciso que a coordenação interagisse com a CHESF para tentar reverter esta situação, eu não sei que fim levou isso, o prof. Mário pode explicar melhor. Por quê? Porque na hora que você especializa demais, as pessoas não têm noção que você tem uma formação geral. Então, em minha opinião, eu acho que a divisão é benéfica num sentindo, mas ela tem alguns efeitos colaterais. É uma decisão que deve levar em conta a percepção do mercado. Não basta você dividir por dividir, você divide para organizar melhor, mas essa divisão pode e vai, certamente, criar algumas reservas de mercado. Quer dizer, se você chega num concurso com uma grade curricular voltada para telecomunicações para disputar uma vaga de eletrônica de potência, você vai ser visto pelo próprio mercado de trabalho como inadequado. Então esta decisão tem um impacto que precisa ser avaliado com clareza. Não vai ser fácil manter o curso de elétrica como ele está até o nível das escolhas das ênfases, porque você vai ter que ter algumas disciplinas obrigatórias para aquela ênfase, então isso vai criar diferenças e essas diferenças têm que ser avaliadas na perspectiva do mercado. Houve uma sinalização muito forte de que as pessoas querem mais especializações. Nós não fizemos nenhum estudo claro sobre se é bom ou se é ruim. Há sinais positivos se você olhar em algumas escolas que criaram cursos que estão sendo reconhecidos. 

Eu sou partidário que a gente pudesse, não sei o quanto isso é possível, manter a noção de um curso de elétrica com um núcleo comum muito forte, muito equivalente, com essa especialização, podendo até ser um curso separado, na linha do que é hoje. Então se você conseguisse fazer uma divisão curricular em que as ênfases virassem cursos, mas que elas continuassem mais ou menos como elas são organizadas hoje, do ponto de vista gerencial ficaria interessante, do ponto de vista do estudante não haveria perdas, porque você pode, inclusive, criar um mecanismo de transição. Tipo, eu fiz vestibular para engenharia de telecomunicações, mas se ao longo do meu curso, eu puder fazer disciplinas tais e tais, eu posso ganhar uma espécie de certificado de estudo. Eu acho que a gente precisa estudar, acho que a gente não pode ignorar a necessidade do mercado de querer mais especialização, mas não podemos criar uma solução que coloque o aluno em desvantagem. 

Porque a grande vantagem do curso que temos hoje é lado generalista. Então a minha questão é a seguinte: como que eu posso fazer para dividir o curso mantendo esse caráter generalista mantendo as vantagens que estudantes têm hoje? Eu acho que a divisão do curso em algumas universidades foi muito mais uma divisão de caráter político-organizacional. Quer dizer, as pessoas se organizaram de forma mais adequada. Acho que a gente não deveria fazer isso por uma cisão política, deveríamos fazer isso de forma racional para dizer 'olhe, tá! O mercado precisa de engenheiros de controle e automação, então vamos abrir uma engenharia de controle e automação', mas a gente ainda quer que o cara seja um profissional com uma formação básica que ele tinha antes. Ou seja, o profissional que fez a ênfase de controle e automação há dois anos e o engenheiro de controle e automação que está terminando hoje devem ser muito parecidos, com as correções devidas. Claro que o currículo não é perfeito, requer alterações, mas sou partidário, sim, que a gente pense numa divisão, mas ela tem que ser pensada de uma forma muito mais, digamos assim, planejada, do que está sendo discutida hoje.

7. As mudanças previstas com a implementação do REUNI já começaram a ocorrer neste ano de 2009 e alguns primeiros problemas estruturais, como a indisponibilidade de salas de aula, já estão sendo enfrentados pela comunidade acadêmica. Na posição de chefe e professor do DEE, como o senhor enxerga o impacto deste processo no futuro do curso e, em específico, nas disciplinas do laboratório.

Esta decisão do departamento de entrar no REUNI foi muito difícil. Nós discutimos com a direção do Centro, com o representante da reitoria no Departamento; então, foi uma decisão bastante pensada. Talvez não na profundidade devida, por causa do tempo, mas é preciso entender o contexto no qual ela foi definida. Em 2008, o governo criou o programa REUNI e a mensagem que ele trouxe para as universidades, pelo menos a mensagem que a UFCG nos passou, foi a seguinte situação: ‘Olha, o único jeito de você receber recursos do governo, ou seja, aporte financeiro para melhorar seus laboratórios e para melhorar o seu quantitativo de professores, é crescer. Ficar como está não lhe dará nenhuma vantagem, não lhe dará nenhum apoio financeiro nos próximos 5 anos que é o plano do REUNI’. Então nós tivemos uma reunião com representantes da Reitoria, onde eu fiz esta pergunta claramente. Eu disse assim ‘olhe, se nós não entrarmos no REUNI, nós teremos direito aos professores e aos recursos que virão com o REUNI?’. A resposta foi: não. Então, o departamento ao levar em conta isso, tentou fazer o melhor possível nesse cenário. 

O departamento decidiu crescer, porque crescer, talvez fosse a única forma dele acomodar as dificuldades que tinha com o cenário do futuro. Então, nós preparamos um orçamento desse crescimento e este incluía contratações de professores, recursos para salas de professores e laboratórios, recursos para laboratórios. Então, todo este orçamento, que a gente preparou para criar salas maiores, salas que tivessem condições de acústica, iluminação, projeção, para que possamos fazer como as universidades americanas fazem, ter salas de aula com maior capacidade, mas não com perda de qualidade. Não é apenas fazer uma sala mais comprida pra que a última pessoa não consiga ver a primeira, mas fazer salas em formato de anfiteatro, por exemplo, onde você tem uma distribuição acústica, onde você pode ter a possibilidade física de conseguir dar aula com qualidade. Então, nós entramos no REUNI porque colocamos a proposta de como queríamos crescer. Então, esta proposta foi encaminhada pra reitoria, que foi integrada com as diversas propostas dos outros departamentos. Bom, a universidade acabou aprovando uma proposta que não contempla 100% do que nós queríamos, ocorreram alguns cortes. Entretanto, os problemas que enfrentamos hoje não são ainda problemas do REUNI, porque no nosso cronograma de crescimento, estaríamos contando com mais 25 alunos, nesse primeiro período 2009.1. Então, o problema que aconteceu agora, não é do REUNI, é apenas um prenúncio do que vai acontecer. Qual é o nosso projeto para acomodar mais alunos? No caso do departamento, nós temos a previsão da construção de um bloco inteiro de laboratórios. Hoje em dia, vocês sabem que o laboratório de circuitos é compartilhado com o laboratório de dispositivos eletrônicos, com o laboratório de eletrônica e com vários outros laboratórios que usam os osciloscópios, medidores e as bancadas de teste, lá no laboratório de Eletrônica e Circuitos - LEC. Então, nossa idéia é que cada um desses laboratórios tem que ser independente, porque se você criar um laboratório independente e colocar nesse laboratório 15 postos de trabalho (o que é um posto de trabalho? Em eletrônica, por exemplo, é uma bancada que tenha um protoboard, um gerador de sinais, um osciloscópio, um multímetro, os elementos básicos que compõem o chamado posto de trabalho elementar). Esses postos cabem numa sala do tamanho desse laboratório de eletrônica de potência ou do laboratório de circuitos. Se este laboratório for dedicado a uma disciplina, você terá 20 horários por semana e, então, você atenderá 300 alunos. Então, se você pensa em laboratórios independentes, você aumenta instantaneamente a capacidade de atender os alunos com os equipamentos necessários. Assim, no nosso orçamento pedíamos espaço físico, e já recebemos a notícia que esse espaço físico deve estar sendo construído este ano e no próximo ano. Iremos comprar os equipamentos, que eu ainda não tenho o montante efetivo, mas no meu orçamento que foi preparado e aprovado no departamento, havia recursos para comprar esses kits didáticos. Então, eu pedi e os professores me enviaram o que um posto de trabalho de cada disciplina de laboratório necessita e isto fará parte de uma licitação no futuro, na qual a universidade vai comprar o material para equipar este prédio de laboratórios. Bom, este prédio de laboratórios, eu já sei de antemão, não caberá todos os laboratórios de elétrica. Por quê? Porque este prédio terá 500m². O tamanho do laboratório que nós estamos usando como referência é o tamanho do laboratório de eletrônica de potência, que é igual ao de técnicas digitais. Naquele laboratório, você conseguiria colocar até 15 postos de trabalho. 

Atualmente, temos quase 20 laboratórios de ensino, a área do laboratório de eletrônica de potência é mais ou menos 40m². Então, não vai ser possível mover todos os laboratórios para esse prédio. Assim, existirão laboratórios nos prédios atuais e lá. Mas a gente vai aumentar nossa capacidade de atendimento, principalmente para os nossos laboratórios básicos. Os primeiros laboratórios que vão deixar de ser compartilhados serão o de Circuitos Lógicos e Circuitos Elétricos I. Certamente, esses vão estar no novo prédio com novos equipamentos.

Do lado das aulas teóricas, nós reivindicamos que fossem construídas salas de aula com maior capacidade. Mas aí você diz: ‘Bom, mas em salas de aula com maior capacidade, como é que fica a questão das provas, do atendimento aos alunos?’ Isso é um problema que não está ainda devidamente equacionado, mas é um problema que outras escolas já passam. Eu estudei na França, durante meu doutorado, e as salas de aula de lá não eram como as daqui com capacidade para 40 alunos. Havia salas de aula que comportavam 150, 200 alunos. Deve existir uma maneira, pedagogicamente razoável, de fazer com que as pessoas aprendam com salas tão grandes. Então, nós temos que fazer uma mudança pedagógica. Ainda não sabemos como isso vai ser feito, mas vai ter que ser feito. Porque não há como você continuar com um professor com 200 alunos numa sala de aula fazendo quatro provas pra uma disciplina de quatro créditos. Fazendo uma conta rápida, você vai ter 800 provas por semestre e isto não é razoável. Por outro lado eu não tenho nenhuma razão para acreditar que o fato de eu estar fazendo quatro provas para cada disciplina tenha ajudado o aluno a ser um melhor aluno. Na minha experiência como professor, eu percebo que o fato de você dividir o assunto, na prática, não surte efeito. Fora do Brasil, você tem modelos diferentes, no EUA, por exemplo, você tem duas provas duas provas em qualquer disciplina; talvez esse seja o caminho? Como é que a gente vai usar nosso aluno de pós-graduação para ajudar o professor na sala de aula? São questões que vão ter que ser discutidas. A proposta do REUNI, até porque não houve tempo ainda para isso, vai passar por essas discussões. O que proponho, como administrador, é criar uma estrutura capaz de comportar isso. Mas certamente que os professores terão que encontrar maneiras de lidar com esse povo todo.

Eu sou otimista, eu acho que é possível encontrar uma solução para isso, tanto é que os outros países já encontraram. Eu acho muito mais justo buscar solução de incluir mais pessoas do que negar inclusão. Acho que dizer ‘não, não quero ampliar porque isso é complicado’ é deixar de colocar vagas para alunos que precisam e acho que a universidade não pode fazer isso. Acho que é um desafio que merece ser enfrentado. Na minha opinião, a negativa significa que nós estaremos cerceando a liberdade de alguns estudantes chegarem  à universidade. E o problema de dizer ‘mas os alunos não vão ter melhor qualidade?’. Sim, mas esse desafio é tão justo quanto o outro. Acho que não podemos fechar as portas, temos é que enfrentar essa questão. Isso certamente não vai ser fácil. No final, entre o cenário que foi colocado e a decisão do departamento, houve um 'Q' forçado da universidade em prol do ministério. Cabe a nós administrarmos isso no sentido positivo.

A reforma curricular, quando foi feita em 1999 não houve nenhum aporte financeiro de nenhuma instância. O curso de elétrica cresceu de 1999 em diante sem nenhuma ajuda do governo. Nesses últimos 30 anos, de meu conhecimento, foi o primeiro momento em que o governo disse ‘se você quiser crescer, eu lhe dou o dinheiro’. Nós nos vimos diante desse cenário, ora, na primeira oportunidade de receber recurso, eu não vou aproveitar esse recurso? Então, aproveitamos esse recurso e estamos tentando fazer o melhor possível com ele.

8. Para finalizar, um conselho para os alunos do curso.

Minha mãe dizia que ‘se conselho fosse bom, a gente não dava, a gente vendia’ (risos). Mas eu acho o seguinte, acho que os estudantes subestimam a importância desse período da vida deles. O período da universidade é o período mais produtivo, mais criativo e mais cheio de oportunidades que vocês podem ter na vida. Aqui no decorrer das disciplinas, você pode errar a vontade, o pior que pode acontecer é você perder uma disciplina. Quando você tira uma nota baixa, você sabe exatamente o que fazer pra não repetir o erro. Esse é um período muito rico e produtivo, mas as pessoas não vêem que depois disso é a vida profissional. Então, você está se preparando para a vida profissional. Eu não tenho dúvida nenhuma que se daqui a cinco anos, algum de vocês for gerente de uma multinacional ou tiver construído sua própria empresa e precisar de empregados e quiser engenheiros, saberá quais colegas poderá contratar e quais colegas não deverá, saberá quem colava e quem não colava. Os estudantes têm que entender que isso é parte da formação da vida deles. Quando terminar a universidade, você não vai poder dizer para o seu empregador ‘olha, eu não sei isso porque o professor não ensinou’, porque na vida profissional, o erro é instrumento de punição, na vida acadêmica, é de aprendizado. Quando o professor lhe bota uma nota ruim, é uma oportunidade para você de tirar uma nota boa. No mercado de trabalho, seu erro vira punição, você vai ser demitido. Se as pessoas começassem a perceber o quanto é importante o conhecimento que elas detêm e que elas têm acesso. Qual o professor que não gosta de discutir com um aluno um determinado conteúdo fora da sala de aula? Então, quer dizer, é muito fácil ter acesso a informação na universidade, onde tem informação borbulhando por todos os lados. À vezes as pessoas deixam isso de lado. Tipicamente, o que as pessoas fazem, que eu acho muito errado, é jogar fora o tempo precioso de sala de aula. Não que o professor seja uma pessoa importante, mas ele é a pessoa que está ali fazendo a síntese do conteúdo naquele momento. Aí o que o aluno faz? Ele vai para aula e fica numa posição meio letárgica, depois vai estudar aquele assunto. Ele jogou duas horas da vida dele fora. Então, se ele começar a ser mais proativo, vai conseguir ganhar 2 horas da vida dele, ao invés de perder.

Então, eu acho que se existe um conselho, é você encarar com um pouco mais de seriedade e ver que você está a três anos do profissional e que essa permanência aqui é uma coisa muito singular e aproveitar o máximo possível, aproveitar a quantidade de conhecimento, o conhecimento de várias pessoas. A moeda, o ar que se respira tem que ser o conhecimento e esse conhecimento só vai fazer bem a você. Isso não muda a personalidade, claro, ser doutor, ser mestre, não o torna como pessoa, melhor do que ninguém. Às vezes o torna pior com requintes de crueldade, mas se a pessoa quiser adquirir conhecimento no bom sentido, ela consegue. A universidade vive disso, de palestras, de curso, de conversas. Então, acho que é importante essa mudança de postura, deixar de ser uma esponja ‘Olha eu tou lá só pra absorver’, para uma postura 'eu estou lá para interagir '. Esse é o meu conselho. 

Edson Porto
Ana Maria Araújo