As origens da astronomia (Parte II)
O surgimento e a evolução de alguns ramos da
ciência, no decorrer da História, muitas vezes estão diretamente relacionados
com a quebra de paradigmas de diferentes características. Tais paradigmas podem
ter raízes profundas no contexto social e cultural, de modo que a mudança de
perspectiva proposta pelo conhecimento científico pode não ser aceita de
imediato, ignorada ou mesmo ser rigidamente rechaçada. A astronomia faz parte
desse conjunto de ciências cuja evolução levou a humanidade, em particular, o
ocidente, a difíceis transições de ideias.
Embora tenha sido um grande avanço para as civilizações clássicas, a passagem
da visão mítica dos fenômenos astronômicos para outra de cunho racional
esbarrou nas limitações científicas e tecnológicas da época. Estas limitações
também se refletiram nos conceitos adotados em períodos históricos
subsequentes, em particular, no intervalo que engloba a Idade Média.
Assim como ocorreu com diferentes ramos do conhecimento na Europa medieval, a
astronomia teve seu período de estagnação. O modelo de Universo que até então
era tido como verdadeiro era o modelo geocêntrico de Claudio Ptolomeu,
astrônomo de Alexandria do séc. II dC. O modelo de Ptolomeu admitia a Terra
como centro do Universo; em torno dela, o Sol e os demais planetas girariam.
Para adequar seu modelo ao movimento aparente observado de alguns planetas,
Ptolomeu introduziu o conceito de epiciclo, ou pequeno ciclo, argumentando que
cada planeta movia-se num ciclo cujo centro descrevia a órbita circular
principal do astro em torno da Terra.
Conquanto fosse errôneo, esse modelo casava
com as concepções aristotélicas e com os dogmas da Igreja Católica, fatores
estes que influenciaram profundamente o pensamento medieval. Isto contribuiu
para a aceitação do trabalho de Ptolomeu por mais de 1000 anos.
Com o fim da Idade Média, aos poucos o ambiente cultural foi-se modificando,
vindo a culminar no Renascimento. Este processo resultou na substituição dos
dogmas religiosos pelo conhecimento analítico, como guias de compreensão da
realidade. Naturalmente, algumas ciências surgiram e outras retomaram seu
processo de desenvolvimento. Dentro desse contexto, o primeiro grande desafio
posto à astronomia foi o abandono do geocentrismo.
O primeiro grande nome da astronomia que surge nessa época é o do monge polonês
Nicolau Copérnico (1473-1543). Copérnico foi o primeiro astrônomo a publicar
uma obra, De revolutionibus orbium coelestium ("Da revolução de
esferas celestes"), na qual as concepções do modelo geocêntrico eram
abandonadas em favor do modelo heliocêntrico. Ou seja, ele foi o primeiro a
argumentar que os planetas orbitavam em torno do Sol, e não da Terra.
Imagine o pensamento de um indivíduo do período pré-renascença, extremamente
voltado para os dogmas religiosos cristãos, levando a crença, arraigada por
gerações, de que a Terra sempre permaneceu estática como o centro do Universo e
de toda criação divina, que tem o homem como protagonista principal. Agora, de
uma hora para outra, o mesmo indivíduo recebe a notícia de que, na verdade, a
terra não é mais o centro de tudo que existe, nem tampouco é estática, mas
caminha numa órbita circular em torno do Sol. Deve ter sido um choque e tanto.
Mais complicada ainda era a situação do clero católico, querendo manter a todo
custo sua estrutura de poder e as bases da fé e se deparando com uma possível
deflagração de ideias que contradiziam outras já consagradas nas escrituras.
Tão forte era o impacto que as afirmações de Copérnico poderiam causar no
pensamento da época e quão graves seriam as consequências a que este estaria
sujeito por divulgar semelhantes concepções, que estas só vieram a ser
publicadas no ano de sua morte. Conquanto Copérnico tenha dado explicações
corretas sobre fenômenos naturais, como as estações do ano e os equinócios,
devido ao fato de suas convicções serem produto de observações dos astros
feitas a olho nu, não possibilitando qualquer demonstração de hipótese alguma,
sua teoria não foi aceita com muita credibilidade por alguns de seus colegas
contemporâneos. No entanto, o trabalho copernicano foi a semente que
influenciou grandes contribuições feitas posteriormente por outros cientistas,
entre eles, Galileu Galilei, Johannes Kepler e Isaac Newton. Pela radical
mudança de padrões promovida por seu trabalho, Nicolau Copérnico é considerado
o pai da astronomia moderna.