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O Dilema Ético no Trânsito de Carros Autônomos

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O Dilema Ético no Trânsito de Carros Autônomos

Entenda melhor como analisar o dilema entre questões éticas e psicológicas que envolvem o trânsito de carros autônomos.


Por Ellen Ribeiro Lucena


Imagine que você é árbitro em uma partida de futebol nos últimos segundos, o time da casa está ganhando por um ponto e um jogador do time adversário corre por um último chute a gol, mas é atrapalhado por um zagueiro que tenta de várias formas impedir o lance final e, rapidamente, em uma cena desastrosa, eles colidem dentro da grande área e são lançados ao chão. Você tem poucos segundos para tomar uma decisão antes que o jogo acabe. Se você for como a maior parte dos árbitros, irá “engolir o apito”, permitindo que o time da casa seja o vencedor e privando o outro time de marcar o pênalti que poderia mudar o placar. Não que você estivesse torcendo para que o time da casa vencesse, no entanto algumas vezes simplesmente congelamos diante de algumas decisões.

Para entender por que decidimos intervir em algumas situações, mas não em outras, filósofos têm por décadas estudado reações de pessoas frente a algumas circunstâncias que são consideradas a intersecção entre ética e psicologia. O primeiro estudo, elaborado pela “grande dama da filosofia”, Phillippa Foot, em 1967, conhecido por dilema do bonde, enuncia que você é o condutor de um bonde desgovernado que avança em direção a cinco trabalhadores completamente desatentos, você não pode parar, mas existe uma alavanca que o desvia para outro caminho. Infelizmente, neste, há também um trabalhador que seria atropelado. Seria moralmente aceitável puxar a alavanca?

Figura 1. Dilema do bonde por Phillippa Foot (imagem editada). [Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/545514-parar-o-trem-ou-passar-sobre-o-corpo-o-que-o-caso-da-supervia-revela-sobre-nossas-decisoes-morais]

As pessoas que respondem positivamente a esta questão, justificando que é válido sacrificar a vida de uma única pessoa para salvar a de outras cinco, acabam por concordar com o utilitarismo que afirma que decisões éticas devem ser baseadas em seus resultados e consequências. Já os que afirmam que jamais tomariam uma decisão para matar um homem, geralmente podem ser considerados seguidores de um código moral absolutista, o qual defende que a moral de um ato nunca depende das circunstâncias que o envolvem.

Anos depois, o dilema foi modificado por Judith Jarvis Thomson, dessa vez, você estaria em uma ponte que passa por cima do trilho principal do bonde prestes a atropelar os cinco trabalhadores. Mas você não está sozinho, ao seu lado existe um homem gordo que seria plenamente capaz de parar o trem caso estivesse servindo de obstáculo no trilho antes dos trabalhadores, mas morreria no processo. Você então deve decidir se irá ou não empurrar o homem nos trilhos salvando as outras cinco pessoas.

Figura 2. Dilema do bonde por Judith Jarvis Thomson (imagem editada). [Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/545514-parar-o-trem-ou-passar-sobre-o-corpo-o-que-o-caso-da-supervia-revela-sobre-nossas-decisoes-morais]

O pensamento utilitarista naturalmente decidiria por empurrar o homem nos trilhos. No entanto, como uma pesquisa de Harvard mostrou grande parte das pessoas que respondem positivamente ao primeiro dilema não conseguiria responder este segundo da mesma forma. Isso por que, dessa vez, empurrar um homem da ponte seria um ato mais pessoal e ainda seria usá-lo como meio para um fim, o que soa errado para muitas pessoas.

Analisando por outra perspectiva podemos pensar um pouco como seria se o próprio bonde fosse o encarregado de tomar essa decisão. Carros autônomos, por exemplo, eventualmente participarão de situações em que não será possível evitar um acidente, e eles terão que escolher de que maneira o acidente poderá ser menos prejudicial à vida humana. No dilema do bonde, sacrificar a vida de uma pessoa para permitir que outras cinco sobrevivessem seria o menos deletério. No entanto, se pensarmos que os cinco não eram trabalhadores, mas detentos fugidos condenados à prisão perpétua por terem estuprado e esquartejado várias mulheres e na trilha alternativa há uma menininha de cinco anos, a decisão deveria ser a mesma?

Programar um carro para reagir em situações de perigo de maneira ótima é um desafio que envolve o reconhecimento das mais diferentes situações. Se o automóvel for programado para salvar tantas pessoas quanto possível, ele o fará independentemente de quem sejam os salvos e de quem foi sacrificado para isso. Seria necessário, portanto, que ele pudesse reconhecer quem representaria uma perda maior para a sociedade. No entanto, essa é outra questão ética que envolve a utilidade dos cidadãos para a sociedade, considerando o papel desempenhado e a idade deles. Para isso, serão ainda necessários diversos outros estudos em ética e psicologia.

Além disso, a dificuldade ética não é a única barreira para a viabilização do trânsito de veículos autônomos. Programar tecnologias que os tornem capazes de tomar decisões tão complexas seria outra barreira a ser escalada. Apesar disso, é importante refletir sobre esta provável mudança que pode ocorrer em um futuro breve ou distante, entendendo que substituir as reações emocionais humanas em situações de risco à vida, por reações mecânicas de carros programados pode tanto ser positivo quanto, em algumas situações, extremante negativo.




Referências: 

The ethical dilemma of self-driving cars Patrick Lin. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ixIoDYVfKA0. Acesso em 29 de dezembro de 2017.

Would you sacrifice one person to save five?.Eleanor Nelsen. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=yg16u_bzjPE. Acesso em 29 de dezembro de 2017.

Quem você mataria? Teste suas intuições morais. Erin Chapman. Disponível em http://www.pbs.org/wnet/need-to-know/culture/interactive-psychology-quiz/8315/. Acesso em 29 de dezembro de 2017.










          









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