Hermione Granger, Carl Sagan e Ceticismo
Hermione Granger estava no seu terceiro ano na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, quando começou o estudo de uma disciplina chamada Adivinhação. Desde a primeira aula, Hermione se mostrava descrente de tudo o que era abordado. A falta de evidências, de exatidão e de um método confiável, o ensino por uma professora duvidável, e, sobretudo, a suposta necessidade de se ter o raro “dom” para ser realmente capaz de ver o futuro foram suficientes para fazê-la abandonar a matéria.
Para quem conhece o mágico universo idealizado pela renomada Joanne Kathleen Rowling, sabe que Hermione deixar uma disciplina foi algo no mínimo surpreendente e chocante. É interessante pensar como até em um cenário onde tudo parece possível, ainda existe - e deve existir - espaço para o ceticismo. E ninguém menos que Hermione seria capaz de deixar isso tão claro. Ela é uma personagem guiada pelo pensamento lógico e racional, que encara seus estudos em Hogwarts de um modo bastante semelhante com o que chamamos de ciência, o que nunca a prejudicou - muito pelo contrário, aliás. Pensando “cientificamente”, Hermione tinha uma ferramenta para desmascarar os que apenas fingiam conhecer. Ela tinha “um baluarte contra o misticismo, contra a supertição, contra a religião mal aplicada a assuntos que não lhe dizem respeito”, nas palavras de Carl Sagan.
Essa é uma das ideias pelas quais Carl Sagan se tornara um nome tão prestigiado. A maioria o conhece por ter sido um dos primeiros grandes cientistas a efetivamente convidar todas as pessoas para o mundo da ciência e também por algo ainda mais importante: conseguir com que a entendessem. De fato, isso foi de uma contribuição inestimável ao tentar corrigir o que Sagan considerava como um dos erros crassos da comunidade científica: a falta de incentivo ao pensamento científico. “Nós vivemos em uma sociedade absolutamente dependente da ciência e da tecnologia e, no entanto, organizamos com astúcia todas as informações para que ninguém entenda ciência e tecnologia. Isso é uma clara receita para o desastre.”, dizia Sagan. Todavia, outro princípio bastante disseminado por Carl Sagan, exercido devotadamente por Hermione, nem sempre é comentado: a importância do ceticismo.
Sagan viveu em um período (1934-1996) em que, ainda mais que hoje, as pessoas acreditavam fielmente em explicações místicas e ficções, como a passagem de alienígenas pela Terra, esculturas de faces humanas em Marte, a força dos cristais, a existência de Atlântida e as profecias de Nostradamus. Acreditavam em tudo isso mesmo sem provas, ou simplesmente se negavam a pensar que provavelmente existiriam explicações mais prosaicas para as luzes que viam no céu ao invés de um disco voador. Sagan mostrava que era impressionante como as notícias escassas e mal elaboradas da ciência geravam lacunas que a pseudociência preenchia com rapidez. De forma irrefutável, afirmava que se as pessoas soubessem que os dados do conhecimento requerem evidência adequada antes de poderem ser aceitos, não haveria espaço para a pseudociência e suas conclusões sensacionalistas. Contudo, “o ceticismo não vende bem”, dizia. Os relatos ilegítimos eram os mais acessíveis, enquanto as abordagens céticas eram muito difíceis de encontrar. Céticos com relação a fatores da vida diária existem aos montes, mas quanto à nossa política, economia, propagandas e religiões, a credulidade é encorajada constantemente por aqueles que querem vender algo, influenciar a opinião pública e pelos que têm poder. Até quando se trata de ciência, seu principal cliente, o ceticismo é pouco aludido. A ideia de ser cético soa para muitos, inclusive, como algo ruim, ao invés de necessário.
Assim, na 76ª edição do Jornal PET Elétrica, convidamos você, nosso caro leitor, a pensar criticamente, a questionar, a tentar entender os fatos como eles são, e não como queríamos que fossem! Para isso, nada mais pertinente que um artigo sobre Carl Sagan, em que apresentamos como ele contribuiu para uma sociedade cientificamente mais alfabetizada e menos crédula. Abordamos também sobre os programas de exploração espacial, tão importantes para o conhecimento e para a desmitificação. Matérias sobre os essenciais algoritmos de roteamento, a polêmica de Newton-Huygens e as pesquisas de novos ímãs permanentes complementam com excelência essa edição. Por fim, temos o relato de um recente ex-petiano sobre sua experiência na família PET Elétrica. Boa leitura!
Emilly Rennale Freitas de Melo
Equipe Editorial do Jornal PET-Elétrica
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