“mais perigoso com a caneta do que outros com revólver”
Ramón Ruiz Alonso
Lorca é um notável poeta espanhol do século XX. Sua produção artística incluiu, além da poesia, prosa e teatro.
Nasceu em 5 de julho de 1898 em Fuentavaqueros, na
província de Granada. Entrou na universidade de granada aos 17 anos e
formou-se em Direito apenas oito anos depois. Lorca teve contato com
grandes figuras da época como Luis Buñuel, Eduardo Marquina, Juan Ramón
Jiménez (vencedor do Nobel de literatura em 1956), além de ter como
amigo íntimo o mestre do surrealismo Salvador Dalí.
Em 29 o crash da bolsa de Nova York agravou
os problemas sociais e econômicos na Espanha fazendo eclodir uma
insurreição popular que não só derrubou a ditadura em 1931, mas também
proclamou a “República de Trabajadores” que, em verdade, não era hábil a
solucionar os problemas decorrentes e suportar a pressão dos
latifundiários, da igreja católica e do exército. No cenário espanhol
havia então o partido da direita e o partido Republicano. A direita
rapidamente recebeu apoio de Mussolini, Salazar e Hitler. Em 1936 o
general Franco deu inicio a Guerra Civil Espanhola que se estendeu até
39 com um saldo de 400 mil mortos.
Lorca era antes de tudo um Espanhol devoto,
apaixonado pela sua pátria, mas longe de ufanismos, ele sabia criticar e
durante tamanha explosão social no seu país e toda opressão ele não
escondia suas idéias socialistas, sem, no entanto, ter-se filiado
oficialmente a qualquer uma das facções.
Ainda no início do conflito, em 1936, Lorca foi
denunciado às forças golpistas. Ele foi detido e (sem qualquer
julgamento) executado por Ramón Alonso (ex-deputado católico) em 19 de
agosto do mesmo ano, seu corpo foi jogado em um barranco da serra
Nevada, tornando-se uma das primeiras vítimas do regime totalitário
espanhol.
Ele deixou um obra multifacetada, suas peças são
encenadas até hoje em todo o mundo e ao lado de Cervantes, Lorca é o
autor espanhol mais publicado e traduzido. As condições brutais da sua
morte o fizeram ainda mais famoso. Diversos poetas e escritores
divulgaram ainda mais sua vida e obra. No Brasil autores famosos
tomaram seu nome como tema a exemplo de Bandeira, Drummond e Vinícius.
Ilis Nunes |
Alma Ausente
Não te conhece o touro nem a figueira,
nem cavalos nem formigas de tua casa.
Não te conhece o menino nem a tarde
porque já morreste para sempre.
Não te conhece o lombo da pedra,
Nem o raso negro onde te destroças.
Não te conhece a lembrança muda
Porque já morreste para sempre.
O outono virá com suas conchas,
uva de névoa e montes agrupados,
mas ninguém virá olhar teus olhos
porque já morreste para sempre.
Porque já morreste para sempre,
como todos os mortos da Terra,
como todos os mortos esquecidos
em um monte de cães apagados.
Ninguém te reconhece. Não. Mas eu te louvo.
Eu canto desde já teu perfil e tua graça.
A madurez insigne de teu conhecimento.
Tua apetência de morte e o gosto de sua boca.
A tristeza que teve tua valente alegria.
Tardará muito tempo em nascer, se é que nasce,
um andaluz tão claro, tão pleno de ventura.
Eu canto sua elegância com palavras que gemem
e relembro uma brisa triste pelas oliveiras.
Tradução de Antonio Miranda |
Romance da Guarda Civil Espanhola
A Juan Guerrero, Cônsul-Geral da Poesia
Os cavalos negros são.
As ferraduras são negras.
Nas capas reluzem
manchas de tinta e de cera.
Têm, por isso não choram,
de chumbo as caveiras.
Com a alma de charão
vêm pela estrada.
Corcovados e noturnos,
por onde animam, ordenam
silêncios de goma escura
e medos de fina areia.
Passam, se querem passar,
e ocultam a cabeça
uma vaga astronomia
Dd pistolas inconcretas.
[...]
Quando caía a noite,
noite que noite noiteira,
os gitanos com suas fráguas
forjavam sois e flechas.
Um cavalo malferido
chamava a todas as portas.
Galos de vidro cantavam
por Jerez de La Frontera.
O vendo desnudo
a esquina da surpresa,
na noite prata-noite,
noite, que noite noiteira.
Tradução Clenir B. Oliveira
in Romancero Gitano, idem |
Gazel da Lembrança de Amor
Tua lembrança não leves.
Deixa-a sozinha em meu peito,
tremor de alva cerejeira
no martírio de janeiro.
Dos que morreram separa-me
um muro de sonhos maus.
Dou pena de lírio fresco
para um coração de gesso.
A noite inteira, no horto,
meus olhos, como dois cães.
A noite inteira, correndo
os marmelos de veneno.
Algumas vezes o vento
uma tulipa é de medo,
é uma tulipa enferma
a madrugada de inverno.
Um muro de sonhos maus
me afasta dos que morreram.
A névoa cobre em silêncio
o vale gris de teu corpo.
Pelo arco do encontro
a cicuta está crescendo.
Mas deixa tua lembrança,
deixa-a sozinha em meu peito.
Federico García Lorca, in 'Divã do Tamarit'
Tradução de Oscar Mendes
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