Gregório de Matos e Guerra nasceu no Brasil, filho
de família abastada, cursou Direito na Universidade de Coimbra e depois
de mais de trinta anos em Portugal voltou ao Brasil, não foi surpresa
alguma, aqui, ele ter sido destituído de cargos eclesiásticos, Gregório
se recusava a usar batina e a obedecer a Ordem. Ele, então, advogou
causas que julgava justas, muitas vezes recebendo por isso sapatos ou
galinhas. Sua obra satírica contra o Governador Antônio Luís Gonçalves
da Câmara Coltinho ocasionou seu exílio em Angola. Posteriormente
retornou ao Brasil, com a condição de jamais voltar à Bahia, assim sendo
ele ficou em recife até 1695, quando faleceu.
Sua obra divide-se em quatro vertentes: satírica,
amorosa, filosófica e sacra. Os versos de Gregório ateavam fogo no
elemento colonizador, no clero, burocratas e vários setores da sociedade
civil. No amor, a mulher hora é retratada como ser angelical, hora
demoníaco, capaz de arrastar os homens à perdição, essa contradição e
conflito são típicos do estilo barroco do autor. A obra filosófica tem
um tom profundamente reflexivo demonstrando a instabilidade espiritual e
o caráter transitório da vida e dos bens materiais. Por fim, os poemas
sacros de Gregório se assemelham a uma defesa perante Deus no juízo
final, defendendo-se dos seus crimes na condição de mero pecador,
objetivando a salvação da sua alma.
As denúncias feitas pelo poeta foram da época da
colonização no Brasil, o retrato feito por Gregório data de uma Bahia de
1600 que na época era a capital, mais de 400 anos se passaram e muito
do que Gregório gritou na sua obra continua presente: a corrupção e a
irregularidade do (alto) clero. A diferença é que hoje em dia o inferno
não possui mais uma boca na terra.
Ilis Nunes Almeida Cordeiro |
As Cousas do Mundo
Neste mundo é mais rico o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
Com sua língua, ao nobre o vil decepa:
O velhaco maior sempre tem capa.
Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.
A flor baixa se inculca por tulipa;
Bengala hoje na mão, ontem garlopa,
Mais isento se mostra o que mais chupa.
Para a tropa do trapo vazo a tripa
E mais não igo, porque a Musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa |
A instabilidade das cousas do mundo
Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.
Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se é tão formosa a Luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
Mas no Sol, e na Luz falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.
Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância. |
Pequei, Senhor...
Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,
de vossa alta clemência me despido;
porque quanto mais tenho delinqüido,
vos tenho a perdoar mais empenhado.
Se basta a vos irar tanto um pecado,
a abrandar-vos sobeja um só gemido:
que a mesma culpa, que vos há ofendido,
vos tem para o perdão lisonjeado.
Se uma ovelha perdida e já cobrada,
glória tal e prazer tão repentino
vos deu, como afirmais na sacra história,
eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
perder na vossa ovelha a vossa glória. |